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De repente um blues #2 - Café com Blues

Vem do samba, do agogô
Seja de que lado for
o som da nossa história 
Se achegue por favor 
(Café Com Blues)

Café Com Blues. Foto: divulgação
No mesmo dia em que o Dead Billies se apresentou para o programa Musikaos, pela TV Cultura, em 2003, foi recebido com estranheza pelo público. Questionado sobre um certo produtor dizer que “o problema do rock na Bahia é que ninguém gosta de levar na base do profissionalismo”, o vocalista respondeu que, dentro de oito anos de carreira, o grupo tinha feito muito. Se as grandes bandas de rock independentes baianas representavam uma surpresa no cenário nacional, quiçá o blues?

De acordo com o autor Hamilton Coragem, “o blues não nasceu de uma emancipação em si mesma, mas de transformações da música negra sobre o efeito de novas condições socioeconômicas criadas por essa emancipação”, logo, tal aparecimento teria se dado a partir do século XIX ou XX. Embora a existência do blues na época da escravidão seja uma dúvida, é certo dizer que os cantos e lamentos entre os homens negros, durante os trabalhos forçados e as danças, serviram de grande respaldo para tal aparecimento.

Sabe-se que a palavra foi citada pela primeira vez por Charlotte Forten em seu diário, datado em 1862. Mas, ainda assim, não define claramente a expressão como um gênero ou algo referente à música. Por outro lado, em outra data, ela cita Poor Rosy, cujo relato diz: “uma das escravas me disse: 'Gosto de Poor Rosy mais do que de qualquer outra canção, mas para cantá-la bem é preciso estar muito triste e com o espírito inquieto'”. Nesse sentido, pode-se concluir que, embora a canção não seja um blues, as características eram bem visíveis, e a palavra já fazia parte do vocabulário entre os negros.

Com o fim da escravidão, a luta pelos direitos ao voto e contra a segregação racial, o blues foi se tornando mais visível. Os músicos profissionais surgiram, geralmente aqueles impossibilitados de seguir um trabalho manual, outras vezes, para atrair outros trabalhadores ou simplesmente para se expressar em meio a tantas injustiças. Desde então, todo o sofrimento e revolta do povo negro passou a ser registrado frequentemente nas canções.

Com o tempo, o gênero foi se difundindo pela Europa e França até se tornar uma influência mundial. Hoje, é cantado e tocado não apenas por negros, mas por brancos. Talvez seja, também, por isso que o blues feito no Brasil é encarado de forma tão estranha. Além disso, a música não vinha mais acompanhada de relatos de pressões e lutas sofridas por homens negros, mas sim pelo povo, incluindo as diversas origens, seja o sertanejo, o nordestino, o trabalhador, o miserável, ou mesmo a mulher, geralmente vista como quem atrai e desperta desejos.

Com a diversidade de ritmos e misturas, poucos grupos e artistas nacionais ainda são “fiéis” ao estilo. Muitos deles não são tão visíveis pela mídia, o que nos dá a impressão de que cantar e tocar blues são para poucos. Geralmente, o gênero exige do músico mais habilidade, compromisso, estudo e interação, como qualquer outro estilo pouco habitual. Consequentemente, poucos grupos chegam a durar muito. Outros só chegam ao reconhecimento tardiamente, como vem acontecendo no território baiano.

Poucos sabem, mas antes de 2003, existiam grandes grupos de blues independentes na Bahia. Um bom exemplo disso foi a Vinil 69. A banda se apresentou em Vitória da Conquis-ta, divulgando ainda o primeiro trabalho, antes de encerrar as atividades por completo. Além de ter bons músicos, o grupo fazia o público dançar cantando trechos das canções Tremendo ao som de um blues e Dentro de você. Infelizmente, a falta de espaço no cenário baiano e a desintegração dos músicos fizeram com que a banda chegasse ao fim, antes mesmo de ser reconhecida.

Na época em que a Vinil 69 estava começando, algumas ferramentas de comunicação nem existiam, como o YouTube, Orkut, Myspace e Fotolog. Em entrevista para o site The Backstage, publicada em novembro de 2010, o vocalista comentou o assunto e a dificuldade de se sobressair no cenário brasileiro, mesmo com o surgimento de tais mecanismos, anos depois, auxiliando na divulgação do trabalho autoral:

“Em 2006, fechamos uma turnê por quatro capitais nordestinas (Aracaju, Recife, Natal e João Pessoa) sem dar um telefonema, só por e-mail e MSN”, disse Leandro Araújo e acrescenta: “o boca a boca continua a principal forma de divulgação (...) A maioria só baixa o seu disco se alguém falou bem, só paga pelo show se o amigo já viu e elogiou”.

Com o crescimento da música independente, outras bandas foram surgindo, mas são poucas que conseguiram se desvencilhar de um blues regado à bebida ou desilusões amorosas. Mesmo que a Vinil 69 tenha deixado grandes marcas no cenário baiano, no momento em que o axé mais roubava o foco, as letras não deixam de ser polêmicas. Versos como “e o calor em tua boca/ me dizendo que és louca/ e tem prazer em apanhar”, podem dar uma impressão bastante superficial de como a mulher é tratada, além de pouco abrir espaço para outros temas e estilos. É nesse sentido que, em contrapartida, se destacam duas bandas conquistenses, a começar pela Café Com Blues.

Formado em meados de 2005, o grupo continua, mas com algumas alterações, com a presença do vocalista Diro Oliveira (gaita e flautas), Thomaz oliveira e Lúcio Ferraz (guitarras), Luciano PP (baixo), Horton Macedo (sax tenor), Emílio Bazé (percussão), Abdalan da Gama e Daniel Novaes (trompete) e Paulo (trombone). No momento atual, a banda deixou de contar com a participação do guitarrista Júlio Caldas, que deixou o grupo em dezembro de 2014, para se dedicar a novos projetos. Além disso, houve a entrada de Eugênio Rocha, assumindo a bateria.*

Foi quase com essa formação que a Café Com Blues se tornou destaque em vários veículos de comunicação local e do estado, como o programa Aprovado, exibido em novembro de 2012, pela TV Bahia. Essa dinâmica foi tão forte que, atualmente, os músicos passaram a contar com a presença do ator e apresentador Jackson Costa, na própria formação. A Café Com Blues também foi a única banda conquistense a participar do palco principal do Festival de Inverno Bahia, em 2008, e, atualmente, vem divulgando o trabalho do segundo CD, O Sertão é o meu Certão, ainda sem data para lançamento.

O nome do grupo se deve ao fato de Vitória da Conquista ser considerada a cidade do café, além de fazer uma alusão ao café brasileiro feito na caatinga e o modo cordial em que oferecido “em toda casa que se entra”. Por isso, também, o título Tipo Exportação do primeiro disco, lançado em 2008. A banda costuma juntar elementos nordestinos com o blues norte-americano e tanto as letras quanto a sonoridade ganharam destaque no cenário baiano, como as faixas De repente um Blues e Blues na Caatingueira, as quais apresentam um caráter bastante repentista.


No sertão
Pé rachado caatingueira
Carcará
Quando é que vai chover?

No topo da serra, um murundú
A cerca a seca, demarcando a região
Uma paisagem bela no sertão
É onde nasce o improviso 
De um broto nasce um riso 
Flora no ser coração




15, 14, 13, 12, 11

10 e 9

Só faz lama quando chove

E enche o riacho Gramum



Pássaro preto é Anum

Que o bico trás o vinco

8, 7, 6 e 5
4, 3, 2 e 1

Na lua cheia uma paisagem prateada 
Mandacaru retém água pra viver
O solo seco é a riqueza dessa terra 
A vela, a reza para o que vem acontecer 

“Chuveu na cabiceira" Riachão 
É onde nasce o improviso
De um broto nasce um riso
Flora no seu coração



Em um comentário para o site Território da Música, postado no mesmo período, a autora Cátia Duchen, compara a sonoridade do grupo com um dos ícones do rock baiano: “são baianos, e não pude deixar de reparar numa certa semelhança com Raul Seixas. A ousadia nas misturas de ritmos e gêneros musicais realizada por Raul décadas atrás é vista agora na Café com Blues. Certamente que são estilos diferentes, mas causam o mesmo efeito de fascínio sobre as pessoas”.

Importante lembrar que juntar o rock e o blues com elementos nordestinos não é mais uma surpresa para o cenário independente brasileiro. Em Feira de Santana (BA), a banda Clube de Patifes se destacou no cenário por conseguir equilibrar o sofrimento da música afro-americana e o forró da música tradicional. Inclusive, foram chamados de “candomblues” pela canção Um dia blue, do disco Com Um Pouco Mais de Alma, lançado em 2010. O grupo também passou por Vitória da Conquista, participando de vários eventos, como o projeto Noites Fora do Eixo, Grito Rock (2010) e o Festival Suíça Bahiana (2011).

Embora, atualmente, a Café Com Blues conte com um estilo mais definido, com canções que remetem ao olhar sertanejo, ou à caatinga, algumas canções, presentes no primeiro álbum, contaram com outros temas, como a faixa Jornal da manhã. Versos como “os homens enchem as carteiras/ e eu aqui sem grana tomando o meu café da manhã” e “o papa beija o solo da terra/ e ainda não há paz entre as nações”, muito se adequam à realidade atual. Nesse sentido, destaca-se o terrorismo e guerras que vêm amedrontando diversos países, incluindo os EUA e a França, como o último atentado contra a imprensa local**, tema também presente na faixa Cultura. Mesmo não tratando sobre o caso, o autor atenta para a liberdade de expressão e aponta para a necessidade de valorizar as diferentes expressões artísticas e costumes, independente da origem.

Mas, ainda que o blues esteja bastante presente na banda, é com a Distintivo Blue que o gênero vem de forma mais intensa. O grupo surgiu em 2009 e, atualmente, segue formado por Lavus Bittencourt, (guitarra, violão), Rodrigo Bispo (contrabaixo), Nephtali Bittencourt (bateria) e o Plácido Oliveira (voz, gaita, violão, guitarra), mais conhecido como I. Malforea***. Este produz, compõe e gerencia o próprio site que está em constante movimento sobre as novidades vinculadas ao estilo.



* A formação atual da Café com Blues já mudou novamente, desde a composição do livro.

** Trata-se do ataque à revista sátira “Charlie Hebdo”, ocorrido na França, em janeiro de 2015.
*** A formação da Distintivo Blue também mudou desde a composição do livro.


Raquel Dantas nasceu em Vitória da Conquista-BA. Amante da música independente brasileira, conviveu desde cedo com vários artistas locais. Chegou a cursar Pedagogia na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, mas acabou desistindo para se dedicar ao desenho e à escrita. Seu primeiro livro, A Conquista do Rock, lançado em maio 2017, já nasceu pioneiro ao registrar a história da música independente local.





...

I. Malförea

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