O Cine Madrigal, provavelmente em 1998. (foto: autor desconhecido) |
Em Vitória da Conquista existiu, para aqueles que, como eu, nasceram até a década de 80, um lugar especial, responsável pela criação de diversas memórias afetivas, especialmente de infância: falo do Cine Madrigal, o último cinema de rua da cidade. Inaugurado em 1968, funcionou até 2001, sendo reaberto no ano seguinte para, então, fechar as portas definitivamente em 2007, como reflexo de uma crise que aplacou os cinemas do gênero em todo o país.
Minha lembrança mais antiga de um cinema foi justamente no Madrigal, para assistir Os Heróis Trapalhões (1988), com meu pai. Daí em diante, foram incontáveis as vezes em que subi aquela ladeirinha mágica em direção à sala de projeção. Aqui começa uma das memórias musicais mais marcantes da história da cidade: antes de começarem os trailers, era executada uma música instrumental, que servia para avisar a todos os que ainda estavam comprando pipoca ou conversando na sala de espera, que era hora de procurar seus lugares: o filme iria começar!
A "música do Madrigal" em sua versão LP (primeira faixa)
A música original foi composta por Bob Dylan e lançada no álbum Self Portrait (1970). Inicialmente trazia uma versão bem simples, gravada em março de 1970 em Nova Iorque, com violão, piano e o próprio Dylan solfejando a melodia. Pouco depois, o produtor Bob Johnston adicionou metais e bateria, sendo esta a versão que entrou para o disco. A original chegou a ser lançada como single e, posteriormente, na coletânea The Bootleg Series Vol. 10 - Another Self Portrait (1969-1971). A música conseguiu grande sucesso, alcançando o top 10 em diversos países da Europa, ganhando, inclusive, uma versão em alemão, gravada por Drafi Deutscher, que chegou ao top 20 na Alemanha naquele mesmo ano.
A versão original, gravada por Bob Dylan, direto do vinil, sem os overdubs de Bob Johnston
Já a "versão do Madrigal" foi gravada pelo grupo paulista Os Carbonos, formado nos anos 60. Era uma das chamadas "bandas de estúdio", sempre contratadas para gravar instrumentais para artistas famosos ou mesmo para chamadas de televisão e rádio. Os Carbonos chegaram a gravar com nomes como Wanderley Cardoso, Morris Albert, João Mineiro & Marciano, Gilliard, Gal Costa, Leandro & Leonardo, Zezé di Camargo & Luciano. Outras bandas que também se tornaram conhecidas por trabalhos semelhantes foram Renato e Seus Blue Caps, The Fevers e Roupa Nova. Geralmente esses músicos eram chamados para prestar tal serviço e não tinham seus nomes creditados nos encartes dos discos.
Outra característica marcante da época era o fato de constantemente os músicos/bandas trocarem seus nomes, especialmente para conquistar o público interessado em música estrangeira. Os Carbonos usaram diversos pseudônimos, como Makenzie Group, Andróides, Carbono 14 e, finalmente, The Magnetic Sounds, quando gravaram Wigwam, que, por sinal, é um dos nomes de uma espécie de oca cerimonial usada pelos nativos norte-americanos.
A versão alemã, com Drafi Deutscher
Assim, esta foi a trajetória desta bela música, de Nova Iorque até o imaginário musical e cinematográfico de Vitória da Conquista. O cine Madrigal foi adquirido pela Prefeitura Municipal em 2014, mas, até o momento, permanece fechado. Discussões já foram feitas em direção a uma reabertura, não apenas voltada ao cinema, mas também ao teatro e a música, como um centro cultural municipal.
A versão lançada no álbum Self Portrait (1970)
Atualização [20/05/2022]: Segundo o comentário de Delson Daltro, a versão do Magnetic Sound foi tema de uma novela na TV Tupi. Já Julio Cesar Nunes de Souza, em resposta recorda a faixa, com rotação mais lenta, ter sido "tema de 1979 a 85 das vinhetas da TV Record de São Paulo e da TVS do Rio de Janeiro e a partir de 1980 foi a vinheta do SBT exibida entre um quadro e outro do Programa Sílvio Santos aos domingos. E tinha a frase: TVS/TV Record/SBT - "Todo dia. Toda hora. Tudo bem". Confira uma das vinhetas abaixo:
Nenhum comentário: