O cenário chamado "independente" cresce a cada ano, e não apenas no campo da música: hoje existe todo tipo de criador de conteúdo, de música a games, filmes e também livros, se esforçando e conquistando seu espaço sem depender de grandes empresas, muitas vezes alterando características fundamentais de cada trabalho. Em Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia e cidade-natal da Distintivo Blue / BLUEZinada!, será lançado, neste domingo, o livro A Conquista do Rock, de Raquel Dantas, pela editora Multifoco (RJ).
A obra faz um belo apanhado sobre a música independente na cidade, desde tempos remotos. São relatos, fotos, letras de música e uma interminável lista de bandas, boa parte já inexistente, que formaram um dos mais importantes cenários musicais do nordeste. Com cada capítulo direcionado a um estilo, seguido de uma vasta bibliografia, a leitura é agradável e fácil, possibilitando mais liberdade de leitura. Basta escolher qualquer dos capítulos, na ordem que desejar e mergulhar nesse intenso universo local.
O estilo predominante no livro é o rock, mas também há um capítulo dedicado ao blues, focando-se nas trajetórias das bandas Café com Blues e Distintivo Blue, que tiveram grande ligação entre si. Esse tipo de trabalho é de grande importância para o registro da história cultural, já que o recorte nacional, mais amplo, se visto mais de perto é formado justamente por inúmeros recortes locais: não é possível compreender a realidade voltando-se apenas ao que acontece nas capitais: muitas vezes há mais acontecendo nos interiores, inclusive.
O livro já está à venda pelo site da editora. Aproveitando o lançamento previsto para este domingo, no Centro Cultural Glauber Rocha, em Vitória da Conquista-BA, nada melhor que a própria autora nos contar um pouco mais sobre o livro. Confira nossa entrevista:
BLUEZinada! - Antes de tudo, quem é Raquel Dantas?
Raquel - Raquel Dantas é conquistense, filha de professora e também escritora. Desde pequena sempre gostou de desenhar e escrever, motivos que levaram a ter interesse pelas ciências humanas, chegando a cursar Pedagogia pela universidade pública local (UESB). Porém acabou desistindo para buscar o que realmente goste de fazer e faça bem, como se dedicar à escrita e as artes visuais.
B! - Qual sua relação com o cenário da música independente conquistense?
R - Minha relação com o cenário nasceu do convívio familiar. Cresci perto de vários músicos e o meu irmão acabou se tornando um dos principais produtores culturais da cidade, então fui acompanhando várias bandas e eventos que aconteceram ao longo do tempo. Com o crescimento da tecnologia, passei a acompanhar tudo, sem precisar sair de casa, ouvindo e pesquisando sobre os novos artistas locais.
B! - Como surgiu a ideia do projeto do livro?
R - A ideia veio da necessidade de fazer algo que eu gostasse e interessasse em fazer. Havia parado a faculdade, estava bastante desanimada com a prática e queria fazer outra coisa. Foi aí que o meu irmão sugeriu escrever um livro sobre o rock conquistense. E como ninguém nunca havia escrito sobre isso em forma de livro, eu resolvi seguir o conselho e ver onde isso me levaria.
B! - Uma vez decidido iniciar o projeto, o que você teve de fazer para torná-lo concreto?
R - No início eu não queria contar só sobre o cenário local. Eu queria achar uma forma de falar sobre o crescimento das bandas e, ao mesmo tempo, compartilhar o que eu sabia sobre a música independente em geral. Eu não queria ficar enchendo o saco dos músicos toda hora atrás de algo. Então o primeiro passo foi a pesquisa e leituras sobre o tema e especificar isso. Só depois resolvi buscar contatos das bandas pelo Facebook e e-mails. Essas plataformas foram fundamentais para conseguir material dos artistas. Fiz um questionário simples e fui enviando. Com base nele, busquei matérias, entrevistas, até que, com o tempo, me espantei com a quantidade de material que havia na internet. Fiquei me perguntando se o público local tinha conhecimento daquilo, se lembravam de tudo. Enfim, cada vez que eu pesquisava encontrava um caminho para montar uma estrutura legal para cada capítulo. Como encontrei muitas bandas ativas, consegui especificar o tema, e mostrar como aconteceu o crescimento dessas bandas na cidade, partindo de suas maiores influências, como o blues, heavy metal e seus subgêneros, etc.
B! - Quais as maiores dificuldades encontradas durante o processo de composição do livro?
R - Nossa! Muitas. Mas acredito que as piores dificuldades vieram no início e finalização do livro. No início eu estava bastante perdida nas pesquisas, sem saber como me guiar, já que é um tema amplo. São muitas bandas e se não encontrar um objeto específico da pesquisa, não tem fim. O que me ajudou mesmo foi a leitura de terceiros, pessoas que estavam interessadas mesmo no tema e ler de maneira crítica. Na medida em que fui mostrando e pesquisando, fui sabendo como moldar os textos e torná-los mais simples e interessante a leitura. Durante a pesquisa muita banda foi surgindo e o aprendizado foi o que me impulsionou a concluir isso de forma mais prazerosa. A cada material que encontrava, seja fotos, vídeos ou letras, ficava feliz. Eu nem imaginava conseguir tanta coisa e foi dando certo. Já no fim, o processo ficou mais cansativo, momento em que bandas mudavam integrantes, algumas acabavam, outras começavam e eu descobria algo novo. Foi bastante exaustivo o processo de revisão e como publicar foi outra dúvida que me acompanhou por um bom tempo.
B! - Uma vez terminado o texto, como se deu o processo de publicação?
R - A ideia no início era fazer um financiamento coletivo para ajudar na publicação. Estava bastante desanimada e totalmente sem grana para fazer isso acontecer, de transformar em um livro que todos pudessem ter acesso, impresso. Eu não queria jogar na internet, porque já tem tudo, porém muita gente não sabe. E ter o próprio livro em mãos é o mais legal, uma sensação inexplicável. Então, enquanto eu pesquisava uma forma de tornar a campanha de financiamento coletivo interessante e revisava o trabalho, fui recebendo indicações de editoras. No final de 2016 eu recebi uma matéria de uma amiga pelo Facebook sobre uma editora que ajudava os autores a publicar o livro de forma gratuita. Eu acabei encontrando a Multifoco. Mandei o material para ver no que dava e tomei um susto quando meu trabalho foi aprovado. E poucas semanas depois eu já tava com o contrato e segui adiante. Era a melhor forma para mim no momento, porque, no fundo, eu estava com bastante medo de não conseguir o dinheiro necessário no financiamento coletivo. Então fui adiante e hoje realizei o sonho de ter meu próprio trabalho publicado e impresso.
B! - Como você imagina que seja a recepção pelo público, sobretudo local? Isso considerando que as próprias bandas também fazem parte dele.
R - Acredito que será uma surpresa pra muita gente e, ao mesmo tempo, terei críticas, já que não há como agradar todo mundo. Mas, no geral, vão enxergar isso como um impulso para manter a cena musical alternativa viva na cidade. Pois o objetivo maior do trabalho foi mostrar que o cenário cresceu nos últimos anos, mesmo com todas as dificuldades. Muitas bandas e demais artistas conquistenses conseguiram produzir seu próprio trabalho e divulgá-lo, seja tocando ou por meios das plataformas digitais.
B! - Você pesquisou e abordou o cenário da música independente conquistense em várias fases. Como você resumiria cada período desse e como você definiria a atual fase?
R - Acredito que não dá pra dizer que o cenário musical de Vitória da Conquista foi melhor em tal década do que outra. O que vem acontecendo é que, com o passar dos anos, novos artistas e festivais vão surgindo, enquanto outras se desintegram. Nenhuma banda sobrevive pra sempre. No início dos anos 2000 havia muita banda cover, mas isso não quer dizer que foi ruim, pois o público comparecia em peso aos eventos. Também não posso dizer que depois disso nada de bom aconteceu. Pois muitas bandas passaram a gravar seu trabalho e a cidade passou a receber artistas independentes e de fora com mais frequência. Ou seja, o cenário está sempre se renovando e isso é um sinal bastante positivo, sinal de que as bandas estão amadurecendo, o que falta é o público acompanhar isso.
B! - Agora que você já conhece o processo de transformação de uma simples ideia em algo concreto, já possui alguma ideia de um próximo trabalho?
R - Eu pensei em fazer um trabalho que englobasse apenas grupos com integrantes femininas. Mas, apenas como uma ideia, pois nenhum será tão importante quanto esse, porque acompanhei de perto e fiz com mais segurança. Eu teria que pesquisar bastante outras cenas e levaria mais tempo para falar com mais propriedade. Mas, creio que as ideias vêm como consequência deste primeiro livro. Talvez eu amplie o tema, e acrescente mais coisas depois. Por enquanto pretendo dedicar ao desenho e tentar sobreviver disso no futuro, dando aulas, etc.
B! - Que conselho a Raquel com seu primeiro livro em mãos daria à Raquel (ou qualquer pessoa) que ainda considerava isso um sonho distante ou talvez utópico?
R - O melhor conselho, e é uma coisa que aprendi escrevendo, é aproximar de pessoas que acreditam no seu projeto. Isso é fundamental pra seguir em frente e não desistir. Só consegui realizar isso porque tive apoio e é do interesse de muita gente, caso contrário, sabe-se lá o que aconteceria. Talvez ainda estaria em dúvida se continuaria com isso.
B! - Livros como o seu possuem duas funções básicas: o registro da história e a detecção de eventuais problemas a serem resolvidos. Há algum aspecto da cena independente atual que você considere prejudicial ou que impeça um crescimento maior? E o contrário?
R - Sim, sempre tem uma dificuldade que impossibilite uma banda ou artista manter o trabalho e conseguir maior reconhecimento. Uma delas, com certeza, é o fato de precisar de outro trabalho ou emprego parar se manter e continuar na música. Como consequência, muitas bandas perdem tempo procurando ou trocando integrantes. Faltam mais bateristas, tecladistas e pessoas que tenham objetivos parecidos para se manter ou formar um projeto. Outra dificuldade, é a perseguição dos vizinhos com os eventos alternativos locais. Há todo um trabalho para conseguir realizar um evento independente e quando acontece, os grupos são impedidos de continuar por conta da reclamação do som, passando das 22 horas. Às vezes, nem chega à isso e vem logo uma reclamação de alguns vizinhos. O pior de tudo é saber que é só uma desculpa para tentar impedir que os eventos aconteçam, por simplesmente, não corresponderem ao estilo da maioria, por preconceito com o público underground. Por outro lado, a cidade continua recebendo bandas e artistas internacionais, com o público comparecendo mesmo no meio da semana. Grupos locais continuam gravando e lançando seus materiais, enfim, é uma cena que vai sempre e renovando e isso é o mais importante.
SERVIÇO
O que: lançamento do livro A Conquista do Rock, de Raquel Dantas + Prévia do Listen Rock
Onde: Centro Cultural Glauber Rocha
Quando: domingo (28 de maio) às 16h
Quanto: 0800
Mais informações: clique aqui
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