Confira aqui a minha entrevista para o jornalista, músico e poeta paraibano Antônio Carlos da Fonseca Barbosa, da Revista Ritmo Melodia, publicada em 13/09/2023. Foi-me permitido ser detalhista, sem limitação de espaço, o que não é comum em entrevistas, por isso, em respeito ao leitor que, como eu, está um pouco cansado de textos superficiais trazendo sempre mais do mesmo, e à própria revista, com vastíssimo acervo de conteúdo deste tipo, incluindo artistas amplamente conhecidos, como Gilberto Gil e Flávio José, dediquei um bom tempo a responder com a devida seriedade às mais de trinta perguntas que permitem uma visão razoavelmente aprofundada sobre a minha trajetória, do Distintivo Blue, visões de mundo e, claro, sobre a música em geral. O texto está levemente diferente do publicado originalmente, que sofreu adaptações à estilística da revista. Aqui, ao contrário, trago as respostas exatamente da forma que escrevi e enviei ao entrevistador sendo, portanto, ainda mais fiel às minhas intenções e ideias durante o texto. Como considero ser, a escrita, a forma a qual me expresso melhor, fiquei muito feliz com esta oportunidade. Fique à vontade para comentar, no rodapé da página.
Plácido Oliveira
RELEASE
Plácido Oliveira Mendes, ou I. Malförea, ou Joe Malfs, é cantor, compositor, historiador e pesquisador musical. Sua relação com as artes começou desde criança, quando criava personagens e histórias em quadrinhos, além de gravar programas de rádio e músicas improvisadas, de sua autoria, em casa. Aos 15 anos obteve o primeiro reconhecimento com a realização de um sonho: tornou-se roteirista freelancer da Maurício de Sousa Produções, tendo várias histórias da Turma da Mônica publicadas. Aos dezoito obteve o segundo reconhecimento ao começar a ser convidado a integrar bandas locais (Vitória da Conquista-BA). A primeira a se apresentar publicamente foi a Tomarock, seguida pela The New Old Jam, em ambas cantando covers de clássicos do rock n' roll.
Na primeira década dos anos 2000 graduou-se em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, tendo, como tema de seu TCC, o ícone nordestino Luiz Gonzaga e seguiu seu amadurecimento musical. Como produtor, grande marco se deu quando sócio do Viela Sebo-Café, reconhecido espaço cultural da cidade, onde viabilizou mais de 100 apresentações musicais, exposições de artes plásticas, fotográficas, de artesanato, palestras e cineclubismo, em 2009. Foi colaborador do extinto programa radialístico O Som da Tribo (Rádio Clube FM) e Cult Mix (UESB FM).
Em 2009 fundou o Distintivo Blue, seu projeto musical de vida, onde desenvolveu sua bagagem sobre music business, produção, composição, empreendedorismo, marketing, logística e tudo o mais que envolve o universo da música autoral. Compôs a maioria das músicas gravadas pelo projeto, produziu todos os discos, vídeos, perfis em redes sociais e a identidade visual, incluindo o site oficial, além de projetos para editais, tendo dois aprovados e executados pelo Programa BNB/BNDES de Cultura (reedição do EP Aplicando a Lei e a Turnê Nordeste 2014), colocando o sudoeste baiano no mapa do blues nacional autoral, como referência.
Em 2011, ampliando o trabalho já executado desde 2010 pelo site do Distintivo Blue (que lhe rendeu o Prêmio Top Blog 2013/14), produziu e lançou a zine BLUEZinada!, direcionada ao público blueseiro, com o objetivo de aproximar os fãs da banda e do seu universo musical. Em 2016 a zine também tornou-se um portal especializado e um podcast, contribuindo com o crescimento do blues no Brasil, sempre trazendo conteúdo sobre artistas nacionais e estrangeiros, bem como história musical, ampliando a temática também ao jazz, rock clássico e country music, principal eixo de influência do DB.
Em 2018 retornou ao universo acadêmico, cursando sua segunda graduação, em Direito, ainda em andamento, na UESB. Simultaneamente, na mesma instituição, concluiu o mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade (2022), pesquisando a cena rock em Vitória da Conquista-BA e atualmente segue o doutorado no mesmo programa, aprofundando ainda mais as pesquisas. De forma independente, desenvolveu o projeto Memória Musical do Sudoeste da Bahia, seguindo os moldes da BLUEZinada!, com pesquisa e produção de conteúdo, como zines, vídeos e outras mídias.
Atualmente segue o projeto de um Distintivo Blue completamente reformulado, mais assumidamente individual que coletivo, após uma longa trajetória de tentativas, decepções, acertos e reflexões sobre o real significado do projeto. Ainda assim, prefere mantê-lo aberto a iniciativas criativas de outros integrantes, como um canal para a expressão artística de todos os envolvidos.
Traz em si fortes elementos de experimentalismo, sob os princípios do "faça você mesmo(a)", não se importando tanto (após um longo período de estudos em music business) em seguir padrões técnicos, estéticos e temáticos "em alta" na indústria musical, priorizando a expressão artística, nunca se esquecendo de que a música é, em primeiro lugar, arte, "uma das principais formas sofisticadas de expressão humana". Acredita que quando isto é deixado de lado e a música passa a ser mais um produto como tantos, torna-se rasa, inorgânica e profundamente pobre, o que, para si, a torna desinteressante e descartável.
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01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Plácido Oliveira – Nasci em 25 de fevereiro (como George Harrison) de 1983, em Vitória da Conquista, capital do sudoeste da Bahia, onde moro até hoje. Uma cidade de porte médio que se diferencia bastante dos conhecidos estereótipos baianos, por seu clima mais frio (é conhecida como a “Suíça Baiana” por isso) e guardar, em muitos aspectos, mais semelhanças com Minas Gerais que com a capital, inclusive musicalmente. Sou conterrâneo, portanto, de artistas como Elomar, Xangai e Glauber Rocha. Há quem a chame, ainda, de “a capital baiana do rock”, devido à cena local, bastante ativa principalmente entre 2000 e 2014.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
PO – Desde sempre a música foi uma das coisas da vida que mais me chamavam a atenção. Não há outros músicos na família, mas sempre escutávamos muito rádio, minha mãe tinha uma pequena coleção de discos e fitas, e uma das minhas lembranças musicais mais sólidas é a da minha avó cantando na igreja, durante as missas e reuniões. Eu também prestava bastante atenção às trilhas sonoras de desenhos animados, filmes, propagandas e jogos de videogame. Quando criança, minha mãe me ensinou a gravar fitas cassette, e isso foi um divisor de águas, porque passei a me enxergar como capaz de criar coisas, ainda que apenas coletâneas, e a registrar coisas. Quando descobri que o rádio tinha um microfone embutido e que eu poderia gravar o som ambiente, passei a brincar de criar minha própria rádio, o que incluía fazer locuções, improvisar músicas, criar vinhetas e inserir músicas que eu gostava. Depois, passei a colocar o rádio ao lado da TV e gravar as trilhas dos games do Master System e do Super Nintendo. Isso para mim era revolucionário, porque apenas eu parecia me interessar por aquele tipo de música (que hoje se chama chiptune) e apenas eu as tinha registradas. Na adolescência, passei a redescobrir as músicas que meus pais e meu tio escutavam quando eu ainda era muito pequeno, como Dire Straits, The Police, Led Zeppelin, A-Ha… Tudo isso me era familiar, mas nesse período eu passei a saber o que era tudo aquilo de verdade. Raul Seixas logo se tornou meu ícone musical supremo no Brasil, e ainda o é até hoje. Como sempre fui muito tímido, me trancava no quarto e ficava escutando minhas fitas incansavelmente, o que foi fundamental para que eu despertasse para o canto e a música como um todo, sempre pensando nos bastidores, e não apenas como um simples “consumidor”.
03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
PO – Não possuo qualquer formação musical formal. Até cheguei a tentar algumas vezes, tanto em escolas privadas quanto no Conservatório Municipal mas, olhando hoje, talvez eu não tivesse a força de vontade suficiente para aquela disciplina, ao menos àqueles momentos. Eu sempre estou em meio a diversas atividades, o que é interessante por um lado, mas arriscado por outro, porque sempre se corre o risco de começar várias coisas e não finalizar nenhuma. Sou do tipo que corre esse risco sempre mas, com o tempo e muita reflexão, fui aprendendo a me focar em atividades de maior valor pessoal. Academicamente, sou licenciado em História e mestre em Memória: Linguagem e Sociedade. Atualmente sou doutorando no mesmo Programa e estou chegando ao final da minha segunda graduação, o bacharelado em Direito. Meu TCC em História foi sobre Luiz Gonzaga enquanto um dos três grandes pilares/personagens do imaginário geral nordestino, ao lado do cangaceiro Lampião e do padre Cícero, e minha pesquisa de mestrado foi sobre a cena rock de Vitória da Conquista, partindo da abordagem sobre a memória de alguns membros e documentação de época. No doutorado, continuo a pesquisa, focado na música autoral, traçando um paralelo entre a cena rock e a chamada “música regional”, de grande expressão na década de 1990. Um dos grandes pilares da minha pesquisa é a História Oral. Somando-se o mestrado e o doutorado, terei realizado cerca de quarenta entrevistas, geralmente longas (a maioria com cerca de 2h de duração, mas já cheguei a ultrapassar as 7h) e registradas em áudio e vídeo, para gerar mais conteúdo posteriormente. Já o meu TCC em Direito foi uma crítica à filosofia e ao Direito como instrumentos de justificativa e legitimação à opressão e escravidão de outras espécies, como se fôssemos superiores, logo, autorizados a tratá-los como objetos/recursos. Basicamente, uma denúncia à hipocrisia humana, onde em cada cidade há holocaustos acontecendo, mas ninguém se importa, porque não é O QUE acontece, mas A QUEM acontece que faz a diferença, com todo esse sistema servindo apenas para camuflar a velha “lei do mais forte”, inclusive traçando paralelos com períodos sombrios da nossa própria história, como a escravidão no Brasil colonial e o período nazista no século passado. Esse tema foi inspirado em uma música minha, chamada Blues do Covarde que, “raulseixisticamente” falando, expõe a hipocrisia humana, sempre encoberta pela retórica (e solidificada pela filosofia e o Direito), para “convencer as paredes do quarto e dormir tranquilo”. Os quatro cursos são pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. A minha dissertação de mestrado pode ser baixada gratuitamente AQUI. Dessa pesquisa sairão pelo menos dois livros sobre a musicalidade do sudoeste baiano.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente? Quais deixaram de ter importância?
PO – Quando criança, as rádios daqui tocavam muita música de Salvador. Então, o samba-reggae dos anos 1980 me influenciou muito. Lembro de começar a escutar o termo axé music e achar ridículo, ainda criança. Esse foi o “rótulo” escolhido pela indústria fonográfica, embasada no eixo Rio-São Paulo, para se referir à música carnavalesca de Salvador, colocando toda aquela diversidade em uma só “prateleira”, numa evidente relação de poder vinda de fora para dentro, por quem não conhecia a fundo aquela realidade. Os tambores do Olodum e dos seus “discípulos” foram fundamentais para a minha formação rítmica. Eu conhecia aquelas músicas muito bem e me soavam muito interessantes, com texturas incomuns e letras complexas demais para o público geral atual. Hoje não escuto mais esse tipo de música com frequência, nem mesmo por nostalgia. Simplesmente perdi o interesse, sem motivo lógico, embora ainda admire e me surpreenda. Ademais, os chiptunes, os rocks e as músicas dos anos 1980 continuam em minhas playlists. Algumas músicas minhas trazem referências diretas a essa bagagem. Ao final da adolescência, à contramão da maioria dos jovens, que tendem a apreciar as músicas do momento, eu retornava no tempo, então já escutava música dos anos 1920, como os blueseiros clássicos do Delta, as bandas inglesas e americanas de a partir dos anos 1950… O chamado BRock (o rock brasileiro dos anos 1980) foi muito presente em minha adolescência, em especial a Legião Urbana, com suas letras que eram verdadeiras companheiras naqueles tempos. Eu nunca fui extrovertido, e mesmo em meus grupinhos restritos, sentia que ninguém pensava da mesma forma que eu, então, Raul Seixas, Renato Russo, Cazuza, Belchior, Zé Ramalho, Titãs eram meus melhores amigos. No exterior, Guns n’ Roses, Led Zeppelin, Deep Purple, Bryan Adams, The Police, Dire Straits, Men at Work também me acolhiam sem julgar, embora eu não entendesse bem do que falavam (não era tão simples traduzir uma música como hoje e o inglês disponível para se aprender era o da escola, bastante raso, e as escolas de idiomas eram caras), mas aprendi sobre o poder da música mesmo quando as palavras das letras não se revelam facilmente. A música é capaz de comover mesmo sem entender uma só palavra do que é dito, por isso considero uma linguagem universal. Há muita música em línguas que não guardo qualquer familiaridade que eu adoro: africana, asiática, europeia, latina, de várias épocas diferentes. Uma cantora que eu gosto muito atualmente é a Moonlight Benjamin, uma sacerdotisa vodu haitiana que mora na frança e faz um rock simples, mas de timbres e texturas belíssimas, cantando na língua iorubá. É maravilhoso escutar suas músicas. Não entendo uma palavra sequer, assim como com as georgianas do Trio Mandili. Acabei criando uma playlist no Spotify e Amazon Music chamada Texturas, onde reúno músicas com esse “sabor” de preciosidade e que podem me servir de inspiração para as minhas próprias gravações. Ela foi uma das primeiras a entrar para essa compilação. Eu continuo escutando muito blues de Chicago dos anos 1950, Pink Floyd sempre me emociona, mas ultimamente tenho escutado mais essas músicas meio obscuras, que não passariam nas rádios convencionais e que são riquíssimas. Já a música mainstream atual, eu simplesmente desconsidero: não dá pra escutar as Anittas e pseudossertanejos da vida. É tudo extremamente bem gravado e mixado, mas não me passa a sensação de consumir arte, e sim de meros produtos descartáveis. Eu penso a música 90% como arte e 10% como produto. A embalagem é importante para chamar a atenção, mas também é a primeira coisa a ser jogada no lixo depois de comprada. Se o foco está apenas na embalagem, não resta nada após o descarte da embalagem. Não sou público-alvo para esses nichos. Me irrita muito perceber que a indústria cultural possui o hábito constante de subestimar a inteligência das pessoas explorando suas fórmulas bobas ao máximo até substituí-las por variações igualmente bobas delas mesmas.
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
PO – Como disse, eu era (e sou) uma pessoa extremamente tímida e introspectiva, por isso, não tinha coragem de cantar na frente de ninguém. Minha timidez já me prejudicou muito. Na adolescência, eu ficava trancado no quarto escutando música alta e cantando junto, de uma forma que não fosse possível perceberem, de fora, que eu estava cantando. Assim, treinei, sem perceber, a minha afinação. Eu acompanhava perfeitamente as músicas a ponto de fundir a minha voz à da gravação. Nesse momento, a minha arte era outra: os quadrinhos. Cheguei a ser roteirista freelancer na Maurício de Sousa Produções, aos 14, 15 anos. Enviava os roteiros para São Paulo e minha mãe tinha sempre de assinar uma tonelada de documentos. Como tínhamos assinatura da Turma da Mônica, era sempre uma festa quando chegava alguma revista com uma história criada por mim, o que logo passou a ser notícia na minha escola, me ensinando grandes lições sobre a natureza humana: pessoas que não gostavam de mim passavam a tentar se aproximar, a mudar de atitude, e eu achava aquilo deprimente. Eu só falava desse meu trabalho para poucas pessoas, mas não soube lidar com essa “minifama” cheia de puxassaquismos baratos. Acabei, aos poucos, me distanciando desse universo. Foi quando passei a conhecer os roqueiros da cidade, coincidentemente com um momento em que a cena rock tomava forma. De repente, havia dezenas de bandas e eu sempre ia a ensaios, passei a ir aos shows, conhecer gente. Como eu cantava escondido em casa, já tinha uma certa bagagem e algumas pessoas perceberam que eu sabia cantar (para os padrões da cena à época, claro). Passei a ser convidado para projetos, por volta de 2000. Minha primeira banda consistente foi a Tomarock, que tocava basicamente rock dos anos 60 e 70, como Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, Steppenwolf… Eu não tinha noção de aquecimento vocal, não tocava nenhum instrumento: apenas seguia a minha intuição e iniciava um show cantando Immigrant Song no tom original, sem aquecimento, mas com afinação e potência, o que não era tão fácil de se encontrar na cena. Minha mãe descobriu que eu cantava através de um colega, que disse algo do tipo “seu filho é considerado um dos melhores cantores da cidade”. E ela nem sabia que eu cantava. Foi assim com as histórias em quadrinhos também: um belo dia chegou uma carta da Alice, esposa do Maurício de Sousa, elogiando o meu trabalho e assim ela soube que eu escrevia roteiros. Na cena, muita gente se espantou ao chegar no ensaio e se deparar comigo, até então mais um simples espectador, ao microfone. Eu gostava desse tipo de reação. Hoje, com mais de duas décadas de carreira musical, continuo sempre muito autocrítico e de olhar científico, aprendendo como me preservar e melhorar. Aos quarenta anos, considero que canto melhor do que em todo o período anterior. Isso porque também observo com atenção meus grandes ídolos, hoje já idosos, como Robert Plant, David Gilmour, Axl Rose… Alguns souberam se preservar bem, outros se maltrataram demais. Gilmour continua um grande cantor, Axl e Plant abusaram demais do próprio corpo, sendo que Plant soube ter a humildade de reconhecer sua condição e se adaptar, já Axl agoniza nos palcos por não aceitar o peso da idade e do quão destrutivo foi seu estilo de canto. Eu pretendo chegar à idade deles cantando bem, por isso observo bastante e tento sentir os sinais do corpo. Sou um eterno aprendiz e tenho os melhores professores em todos os sentidos.
06) RM: Quantos CDs lançados?
PO – Sob o meu projeto autoral, o Distintivo Blue, que teve início em 2009, lancei os EPs Aplicando a Lei (2011), Riffs, Shuffles, Rock n’ Roll (2012), Miopia (2013), Rockin’ 10 Years Later (2020), Na Trilha do Blues (2020) e O Andarilho (2020); os álbuns Orgânico (2014), Todos os Dias, Vol. 1 (2015), Shut Up! (2017), Shut Up! - II (2023) e Shut Up! - III (2023), todos produzidos por mim. Como produtor, lancei três EPs do meu projeto Toca Autoral! em 2023, com os artistas locais Paul Bergeron, Náufrago Urbano e Weldon França, além do EP Singing Rock n' Roll: ao vivo no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima (2017), do Jayvee Viana. Neste ano também lancei um EP de música chill out experimental, sob o pseudônimo Mia Noon’s, que vou usar para esse tipo de experiência. Sempre gostei de usar pseudônimos. Utilizei, por muito tempo I. Malförea e Joe Malfs. Agora, decidi deixar meu nome real aparecer também.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
PO – O blues é a minha base. Em tudo o que eu faço há o feeling do blues. Mas também tenho um pouco de country, jazz, rock clássico, progressivo, punk, um pouco de música pop, raízes nordestinas… Na minha música é possível detectar um pouco de tudo isso. Geralmente sou definido como blues-rock, o que concordo, mas, como todo brasileiro, sou fruto de uma grande mistura de influências. Costumo dizer que uma vantagem em se viver em um país não-dominante é que somos menos ensimesmados que um país como os Estados Unidos, por exemplo, que costuma se sentir autossuficiente, se fechando demais para outras culturas. Aqui temos nossa riquíssima diversidade, mas conhecemos bastante sobre o que acontece nos países de língua inglesa, línguas latinas, orientais… Ainda que eu considere o Brasil o mais ensimesmado dos países latino-americanos (em geral, sabemos muito pouco sobre nossos vizinhos, incluindo a língua), temos essa capacidade de absorção muito maior que os países ricos. Em minha música há tudo isso de fora, e o que há aqui dentro. Eu carrego Raul Seixas, Pink Floyd, Creedence Clearwater Revival, Yoko Kanno, Margareth Menezes, Luiz Gonzaga, Elomar, Koji Kondo, Yma Sumac, Muddy Waters, Blackberry Smoke, Carlos Gardel e inúmeros outros.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
R – Formalmente não. Mas eu sou um cientista. Sempre observo tudo com o objetivo de tirar lições. Aprendi cedo a não maltratar meu corpo inutilmente, inclusive no simples falar. Considero meu senso de afinação desenvolvido, então utilizo técnicas que me agradam, dentro da minha bagagem musical. Não gosto de “florear” demais. Não combina com minha personalidade. Por isso, não sou bem o tipo de cantor para ensinar canto, porque eu não domino e nem tenho a intenção de dominar técnicas que não tenho intenção de usar. Prefiro ser “especializado” na minha área. Já orientei amigos e parceiros de música que buscavam sua própria identidade vocal, mas não como um professor. Eu gosto bastante de praticar backing vocals, descobrir vozes diferentes em uma música. Já acompanhei vários artistas dessa forma e fico muito satisfeito quando tenho essa oportunidade, porque a música “cresce” bastante com um backing bem aplicado, preenchendo bem, mas respeitando a voz principal, e eu sempre saio da apresentação um pouco melhor enquanto cantor. É uma das coisas que mais gosto de fazer. É uma diversão verdadeira.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
PO – A importância é total. Estudar técnicas e desenvolver um método de atuação é fundamental para utilizar o principal instrumento musical humano, a voz. Ao mesmo tempo em que é cômodo ter o próprio corpo como instrumento, é preciso atentar para cuidados essenciais, afinal, o preço a se pagar com danos causados pelo mau uso ou excessos é alto. Quando uma corda de guitarra quebra, você compra outra e a substitui, já as cordas (pregas) vocais, uma vez danificadas, podem nunca mais ser as mesmas. Não são substituíveis. É dos recursos mais valiosos que temos. O ideal é buscar orientação profissional, através de professores de canto e fonoaudiólogos, claro, mas também é possível o cuidado autodidata, desde que muito atento e evitando excessos, como costumo fazer. Sempre prestei atenção ao que me causava dor, rouquidão e cansaço, a curto, médio e longo prazo e, observando meus ídolos, criei meu próprio método de cuidar da voz e técnicas de canto que mais me agradam. Eu naturalmente bebo bastante água como hábito, desde sempre. Nunca fumei e evito beber álcool quando canto. Antigamente, o álcool era um mecanismo para contornar a timidez, e sei que muitos o utilizam por esse motivo, mas também fui aprendendo a lidar com a minha natureza não mais como um inimigo, mas como uma característica pessoal que deve ser trabalhada rumo a uma naturalidade. O canto é muito transparente: sua alegria, tristeza, insegurança e hesitação são evidenciados facilmente ao cantar, então o cantor/vocalista nunca deve pensar no ofício separadamente de outros aspectos, como o psicológico. Compreender minhas inseguranças em relação ao ambiente é tão importante quanto a técnica puramente vocal. É um processo de autoconhecimento profundo. Meu objetivo pessoal é chegar à terceira idade cantando bem, sem passar aquele aspecto de “um velhinho prestes a desmaiar”. Uma das cantoras mais incríveis da história foi Janis Joplin mas, infelizmente, ela hoje, provavelmente, teria uma voz sofrível, porque o estilo de canto dela era completamente autodestrutivo. Eu, felizmente, só cantei dessa forma por poucos anos, no início da carreira. Com o tempo fui percebendo os danos, as dores, as paranoias de se subir no palco sem saber se seria capaz de atingir as notas mais altas, e decidi estabilizar minha maneira de cantar. Minha extensão vocal aumentou com o tempo. Continuo atingindo notas altas, mas chego a graves que não conseguia no início. Decidi utilizar a afinação bemol nas minhas apresentações, há alguns anos. Para o público leigo, praticamente não há diferença, mas para o cantor, é muito mais confortável e menos cansativo. Assim, passei até mesmo a falar mais baixo e o resultado tem sido satisfatório. Até mesmo a escolha do repertório é feita pensando nisso: as primeiras músicas são sempre mais suaves, nem altas demais nem baixas demais, servindo como aquecimento vocal. Essa parte dura por volta de 20 minutos. Depois, passo às músicas mais altas e mais graves, que também não podem ficar no início. Ao fim, utilizo o processo inverso, como desaquecimento. É preciso pensar a arte também como cientista, por uma questão de autopreservação. Para tudo é preciso ter método. Nada é feito por acaso, sem alguma intenção, e uma das minhas principais intenções é manter a saúde vocal a longo prazo.
10) RM: Quais as cantoras(es) que você admira?
PO – São muitos. Vozes como as de Luiz Gonzaga e Dominguinhos, além de potentes e carismáticas, resumem toda uma nação a qual faço parte. Quando os escuto, me remeto automaticamente às minhas raízes pernambucanas, me sinto parte do universo rural do alto sertão, ainda que seja uma pessoa essencialmente urbana. Meus avós eram a conexão direta com esse Brasil. BB King era uma das raras combinações de um grande cantor e um grande instrumentista. Uma voz que eu admiro muito também é a de Elton John, especificamente após ele se tornar mais maduro, quando ganhou mais graves. David Gilmour sempre teve uma belíssima voz que também ganhou peso com a idade. Robert Plant, não por acaso, foi chamado de “a maior voz do rock” recentemente. Maltratou bastante seu corpo na juventude, mas soube como poucos se adaptar à velhice e se reinventar. Isso é muito inspirador. Como historiador, sei me voltar ao passado como hábito, mas também sei me enxergar no presente, construindo o futuro, por isso, tenho uma constante preocupação com o cantor que serei na velhice. Essas pessoas são muito importantes para mim, como referência. Acho especialmente admirável o artista que não se considera “inválido” na velhice, e sabe se reconhecer e extrair sua melhor versão àquele período, sem apegos tolos ao passado. No rock brasileiro, penso que um dos melhores cantores foi Renato Russo, mas a voz irônica e imperfeita de Raul Seixas é sinônimo de rock n’ roll. Pessoas como Frejat me ensinam a usar com sabedoria os recursos disponíveis, ainda que limitados. Muddy Waters era um monstro vocal no blues, ao mesmo tempo em que Howlin’ Wolf e Louis Armstrong mostram que é possível ser gigante e incomum, saindo do óbvio. Adoro as vozes da Clara Nunes, Marinês, Beth Carvalho, Linda Perry, Margareth Menezes, Moonlight Benjamin, Janis Joplin… A voz de Elomar é quase sobrenatural. A voz de Johnny Cash carrega toda a sua vida conturbada, e isso é fundamental quando se fala em arte, o que me faz admirar igualmente pessoas como Mark Knopfler, que talvez nem se considerem cantores, mas são insubstituíveis. O importante é conseguir transmitir sua personalidade e bagagem. Arte é, antes de tudo, expressão humana. Todos esses e outros exemplos se destacam por essa capacidade de comunicação, independente da técnica ou extensão vocal. O elitismo na música, para mim, não passa de carência disfarçada de arrogância e vaidade.
11) RM: Como é seu processo de compor?
PO – Em geral, é demorado. Passo um bom tempo desenvolvendo ideias, às vezes sem perceber, até que se tornem conscientes e as julgue dignas de passarem ao papel (ou tela) sob a forma de versos. Às vezes acontece de uma música “Surgir” pronta, com letra, melodia e uma base instrumental juntas, parcial ou completamente, como em 2012, Miopia, ou posso passar dias ou anos com um tema ao violão martelando até chegar o belo dia em que a letra surge, como em O Andarilho. Depende muito, e também da minha intenção: se eu decidir me dedicar à criação de uma nova música, ela vai sair, porque disciplina e insistência trazem resultados. Em meu caso, é um processo solitário. Sou uma pessoa que gosta de agir solitariamente, sem ninguém acompanhando e criando expectativas, porque isso me gera bloqueios, e aprendi a usar a criatividade dessa forma, desde criança. Claro, nada me impede de aceitar ou propor parcerias, mas não costumo procurar outras pessoas nem ser procurado.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?
PO – Não é uma regra, mas eu nunca tive uma parceria para criar letras. O que acontecia bastante era eu criar uma música em torno da letra e mostrar aos parceiros de banda, que enriqueciam com arranjos e acordes menos óbvios, mas o resultado nunca fugia muito da proposta original. Atualmente venho compondo solitariamente mesmo, de ponta a ponta. Estou numa fase mais solitária onde testo minha capacidade de criar coisas sozinho. Claro, as músicas ficam harmonicamente menos ricas, mas em compensação, ficam 100% com minha cara, que é o que venho buscando ultimamente. Nunca descarto a possibilidade de parcerias, mas não forço a barra. Às vezes algumas pessoas me enviam suas composições para que eu grave com o Distintivo Blue, e às vezes “adoto” canções de artistas locais e coloco minha interpretação, como uma forma de incentivo e reconhecimento ao talento deles e reconhecendo sinceramente como boas canções, que me tocaram de verdade. Isso já é um ponto de intersecção entre o meu lado artista e o lado pesquisador, que desenvolve o projeto Memória Musical do Sudoeste da Bahia. Quando eu fazia um trabalho semelhante sobre o cenário do blues nacional, através da BLUEZinada!, também gostava de inserir canções de artistas brasileiros no repertório. Venho de uma cena musical que foi muito forte, e esse espírito colaborativo está enraizado em mim. Considero importante. Ser colaborativo sem perder minha individualidade.
13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
PO – Acho que o único contra é relacionado a grana: ela compra estrutura, divulgação, treinamento e pessoal. O artista independente geralmente é o “exército de um homem só”. Eu sofri bastante com isso, porque sem grana, as pessoas não compram sua ideia com facilidade. Muitas vezes dizem comprar, mas não vestem a camisa de fato, e você não pode exigir muito de quem na verdade está até fazendo muito, considerando que não há retorno. Com o Distintivo Blue, aprendi bastante sobre o “viver de música independente”. Quando criei a banda, a intenção era que fosse um coletivo democrático, onde todos teriam voz igualmente e o grupo cresceria junto. Assim, me dediquei bastante ao estudo do music business, técnicas de divulgação online, gestão de carreira e tentei levar todo mundo comigo, esperando que os outros também se dedicassem dessa forma. Na prática, percebi que eu acabava sendo o Atlas que carrega o mundo nas costas sozinho, enquanto os demais apenas aguardavam o que viesse pronto, sem interesse em arregaçar as mangas de fato, pensar criativamente. Isso foi me esgotando, porque nunca paro de ter ideias e tentar executá-las. Meu projeto era de uma banda-empresa, que criaria sua arte, mas também produtos, pesquisas, participaria de engajamentos, tornando possível viver de música dignamente. Assim, criei uma zine para aproximar a banda do público, sendo distribuída gratuitamente nos shows, a BLUEZinada!, que também falava do blues como um todo, em especial o brasileiro. A zine virou um portal, que ganhou o Prêmio Top Blog 2013-14 e depois um podcast, o primeiro da minha cidade, onde entrevistei gente de diversas partes do país, ainda por Skype ou pessoalmente. Nada disso foi feito a esmo: estudei muito sobre essas mídias antes de começar a produzir. Começamos um estúdio de serigrafia, para criar produtos da banda, tudo era na base do “faça você mesmo”, muito bem planejado e claramente viável. Mas, sozinho não dava. O tempo é o mesmo para todos e, não raro, deixei de compor, estudar música, para assumir tarefas administrativas. As pessoas são imediatistas, e empreendimentos têm fases, onde as primeiras não dão retorno e exigem investimento. Assim, o desinteresse e a apatia dos colegas me deixou MUITO decepcionado. Todos foram largando o projeto, um a um, não sem passar por um bom período de passividade antes, e eu até mesmo cheguei a desistir da música por um tempo. Sequer escutava música. Estudei muito, planejei muito, mas por pensar em um projeto coletivo quando deveria ser individual, cheguei a um ponto em que perdi as forças. Hoje, o Distintivo Blue não é mais divulgado como uma banda, mas como meu projeto pessoal de música autoral. É muito mais realista e saudável dessa forma. Então, esse é o ponto negativo da música independente: tudo é muito difícil, o país não é propício, não possui o hábito de consumir cultura como algo importante, e isso se reflete nos próprios artistas. O lado positivo é que você não tem um patrão lhe obrigando a cuidar de assuntos que não lhe interessam, nem contratos que o transformam em um escravo. A música independente, quando bem administrada, é capaz de fornecer vida digna. Não fácil, nem milionária, mas digna, como qualquer outra profissão digna. Artisticamente, você também pode ser livre para se expressar, sem se preocupar com fórmulas. Tudo isso passa a residir no campo da escolha. No meu caso, eu escolho me expressar da forma que acredito ser a que melhor me representa, sem me preocupar em agradar terceiros. Isso, quando acontece, é uma feliz consequência. Não sei se conseguiria trabalhar com metas impostas por terceiros, como na grande indústria (para isso, muito melhor passar em um bom concurso público, que oferece estabilidade financeira e previsibilidade), ou se tornar escravo das redes sociais, vendendo uma imagem que nada tem a ver com o que realmente sou. Tenho muita dificuldade em fingir, por isso não sei se eu seria um bom artista do mainstream.
14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
PO – Atualmente estou em um momento bastante “relax” da minha carreira. Como disse, passei por alguns traumas e até pensei em abandonar a música mais de uma vez, mas quem é fisgado pela arte não consegue ser feliz longe dela. Após eu resolver, em minha mente, essa questão “coletivo X individual”, não há mais conflitos: minha carreira é individual e, por isso, não preciso esperar pela boa vontade de terceiros. Anteriormente, fiz vários cursos, li muitos livros, estudei bastante sobre music business, mas não me agrada fazer o papel do influencer, atento para horários melhores para se publicar vídeos, constância, alimentar redes sociais o tempo todo. Isso é escravizante e, portanto, nada tem a ver com arte. Eu sequer tenho mais redes sociais pessoais, apenas do Distintivo Blue e do Memória Musical. Só não deletei meu antigo perfil no Facebook, porque ele ainda é útil para contatar pessoas para a pesquisa, encontrar dados sobre eventos de época e revisitar coisas antigas úteis através das “lembranças” diárias. Então, não tenho mais uma estratégia definida para minha carreira: apenas tenho em mente que nunca vou parar, vez em quando vou publicar alguma coisa nas redes sociais, para não cair no esquecimento, e alimentar o canal no YouTube quando der vontade. Ali sim, vejo como um bom espaço para publicar material. Isso, claro, porque não dependo mais exclusivamente da renda de shows. Diversificar as fontes de renda tira da música um peso gigante que não raramente nos frustra bastante.
15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
PO – Bem, tenho vasta experiência em produzir projetos, em especial para editais, encaro as plataformas de streaming e os fonogramas como uma fonte vitalícia de renda (ganhamos pouco com fonogramas mas, ao contrário de outros tipos de “produtos”, eles não se esgotam com as vendas: eles sempre gerarão alguma renda, para sempre – porque sempre haverá indústria musical – e isso paga contas. A maioria dos artistas independentes que conheço não tem essa visão acerca de suas obras e as subestima), que não é capaz de resolver todos os meus problemas, mas ajuda consideravelmente. Eu sempre busquei ser bastante profissional, e encaro minha carreira com bastante seriedade. Sou um artista, mas também sou uma empresa. Nem tudo o que eu produzo é publicado sob a “marca” Distintivo Blue. Outros projetos que estão disponíveis saem com títulos em inglês, para atingir públicos maiores.
16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?
PO – A internet permitiu que nós, os independentes, continuássemos independentes, e isso mudou a indústria fonográfica. Não precisamos mais do canal de TV ou de rádio mainstream para aparecer em algum lugar: nós criamos nosso próprio conteúdo e temos diversos espaços para publicá-lo. Aparecer em um programa de rádio, TV ou em uma matéria de jornal é ótimo, mas isso é um plus: Nosso principal foco de atuação é a internet. Sem ela, os independentes, no máximo, podiam gravar suas fitas-demo e trocar com amigos ou outros artistas, dificilmente chegando a sair desse contexto, geralmente precisando de outras profissões para se manter, tendo a música como hobbie. As formas mais eficazes de chegar ao público eram exclusividade das grandes corporações, profundamente elitizadas e repletas de vícios, sendo o “jabá” um dos mais conhecidos. Uma prova de que isso mudou é o fato de grandes conglomerados empresariais da comunicação, como a Rede Globo, se curvarem à internet, recrutando influencers (essa palavra terrível) para seu casting. Com ela, tudo ficou mais democrático e mais dependente do seu próprio esforço que da boa vontade de terceiros. Por outro lado, as pessoas parecem adorar fórmulas, e muitos acabam se rendendo aos mantras robóticos das redes sociais, o que me incomoda bastante. Por exemplo: quantas vezes por dia você escuta a frase “não se esqueça de dar ‘joinha’, seguir o canal, ativar o sininho e deixar seu comentário”? É quase um elemento obrigatório. Você até já sabe quando vai acontecer, assim como você sabe a hora do Pai Nosso em uma missa. Sempre vejo as crianças repetindo, brincando de youtubers. Não acho isso natural, e esse foi apenas UM exemplo. Um artista, para mim, jamais deveria se reduzir a um mero “papagaio” das tendências do momento para acumular “seguidores”. Há muito, muito besteirol, manipulação e ilusão nas redes sociais, o que dificulta o alcance ao conteúdo construtivo, como a arte não-descartável. Porém, ao se pensar na divisão da internet em nichos, torna-se mais interessante. Há todo tipo de conteúdo na internet, mas há como divulgar sua arte para públicos cada vez mais específicos. Ainda penso que estamos melhores hoje do que nos anos 1990, por exemplo, onde era impossível ligar uma televisão e não ser bombardeado por bundas e músicas de duplo sentido. Hoje simplesmente não ligo a TV em canal aberto e se aparecer algo que me desagrada, tenho inúmeras opções melhores. Nunca na história se publicou tanta música nova. Discordo totalmente daquela premissa em que as músicas de antigamente eram boas e as de hoje não: se você pensa assim, concentre-se em pesquisar artistas dentro do seu nicho ao invés de ligar a TV aberta ou a rádio comercial. Não precisamos mais “comer da mão” dos grandes conglomerados.
17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
PO – Não vejo desvantagem alguma. Eu tenho um laptop razoável, alguns equipamentos, como microfones e alguns instrumentos, um gravador de mão maravilhoso, que não consigo mais viver sem, boa vontade para aprender e tentar fazer, e criatividade. Com isso, não preciso mais pagar estúdios caros para produzir meus trabalhos. Tudo depende exclusivamente de mim mesmo, e isso é sinônimo de liberdade. Até pouco tempo antes da pandemia, gravei minhas músicas em diversos estúdios pagos, alguns mais econômicos, outros nem tanto, mas nunca fiquei plenamente satisfeito com os resultados, e isso não se deve a alguma falta de habilidade dos profissionais, e sim da minha incapacidade de demonstrar a eles o que eu queria, porque fui aprendendo, aos poucos, a lidar com o ambiente do estúdio. Durante o lockdown, experimentei gravar sozinho duas músicas: Na Trilha do Blues e O Andarilho, inclusive produzindo os videoclipes. Tecnicamente, pode-se dizer que não atingem plenamente os padrões do mercado, mas chegaram muito mais perto do que eu pensava em fazer. O feeling fez toda a diferença. Minha arte é imperfeita, e isso a torna única, porque é sincera e reflete quem eu sou. A arte não precisa de perfeição técnica, e sim de expressão. Uma das minhas grandes inspirações, nesse sentido, é a pintora canadense Maud Lewis (1903-1970), cuja história conheci através do filme Maudie (2016). A possibilidade de se produzir (e aprender a produzir) música em casa, com uma qualidade satisfatória (a mim, em primeiro lugar) e publicar sem intermédio de terceiros é maravilhoso e uma das melhores características da nossa época, em minha opinião.
18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
PO – Sinceramente, eu não dou a mínima para essa questão mercadológica relacionada a uma suposta concorrência, uma disputa ou algo parecido. Meus artistas favoritos nunca precisaram disputar por minha atenção, porque é perfeitamente possível que eu escute a todos com o mesmo nível de dedicação. Talvez isso fizesse mais sentido à época em que as grandes gravadoras detinham o poder praticamente exclusivo do que era lançado fonograficamente. Havia, sim, uma competição para se entrar para o casting de uma gravadora e acredito que ainda seja assim no mainstream, mas do ponto de vista da música independente, a competição se resume a conseguir vagas em certos editais, como os de prefeituras, e isso nem é algo tão gritante. Os cachês são bons, mas não são altíssimos. Ninguém morre se não passar e ninguém fica rico ou muda de vida se passar. As plataformas de streaming possibilitam que ocupemos o mesmo espaço que ocupam os gigantes, e eles aparecem mais apenas porque têm mais dinheiro para investir em divulgação. Porém, a lógica segue a mesma: eu vou ouvir o Led Zeppelin, mas também vou ouvir a Cama de Jornal (banda punk de Vitória da Conquista-BA) porque gosto de ambos e ninguém aguenta escutar apenas um artista ou um punhado de artistas o tempo todo. Meu dever é divulgar minimamente o meu trabalho (o que, reconheçamos, não é feito pela maioria dos artistas independentes). Escutá-lo é uma decisão sagrada do público. Todos os demais artistas são colegas de profissão, e desejo o melhor a eles, porque conheço a luta. Minha música é minha arte, minha forma de expressão. Existem muitos cantores melhores que eu, muitos compositores melhores que eu, mas ninguém canta como eu, escreve como eu e interpreta minhas músicas como eu. Esse é o grande barato da música autoral: você é único no mundo, o original, ao contrário da música cover, onde quem copiar mais fielmente toma o lugar de quem copia não tão bem. Por enxergar meu trabalho por esse ponto de vista artístico, não me preocupo com concorrência. Há um número limitado de espaços para tocar meu estilo na cidade, claro, mas consegui me livrar dessa paranoia quando diversifiquei minha fonte de renda. Considero até saudável não aparecer o tempo todo. Assim, quando os shows não vão muito bem, há outras formas de se pagar as contas. Isso é libertador, porque evita que nos tornemos escravos da paranoia, tornando desnecessário o “tocar por mera necessidade”, que já experimentei e foi frustrante a ponto de descobrir que sim, é possível odiar aquilo que mais se ama fazer. Hoje, não sem cicatrizes, sou capaz de enxergar a profissão “músico” com a devida leveza e realismo.
19) RM: Como você analisa o cenário do Rock e Blues no Brasil? Em sua opinião, quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
PO – O rock no Brasil é “música alternativa”. Isso é fato. O que tivemos na década de 1980, quando ele foi o carro-chefe da indústria, em minha opinião, foi um acidente de percurso, uma decisão maluca de um restrito grupo de ricaços. Rock sempre foi música marginalizada e, inclusive, nasceu como uma forma de rompimento com as gerações anteriores e suas ideias. Então, há um punhado de bandas de rock do mainstream na ativa sim, como os Paralamas, Titãs, Skank (recém-encerrada), Jota Quest, Capital Inicial, mas perceba que não são novatas: vieram pelo menos da década de 1990 e se mantêm ativas, tocando em grandes festivais, apesar de não ocuparem constantemente os principais espaços de publicidade musical, atualmente ocupados por pseudofunkeiros e pseudossertanejos. Então, o rock brasileiro, em regra, pertence ao cenário independente. Nesse sentido, ele vai muito bem, obrigado. Existem centenas de bandas ativas e batalhando, em inúmeros subgêneros. Só aqui em minha cidade deve haver umas vinte, incluindo as de covers. As mais comprometidas chegam a gravar suas músicas e é possível conferirmos nas plataformas de streaming, bastando usar boas palavras-chave nas pesquisas. Já o blues brasileiro é bem diferente: em 2017 falei um pouco em um vídeo sobre minhas impressões, pouco antes de decidir encerrar meu trabalho com a BLUEZinada!. Em geral (e é bom relembrar que “em geral” significa que há alguns exemplos em contrário) o blues brasileiro sofre de um conservadorismo até mesmo infantil, que faz com que os músicos se apeguem em tal nível ao passado que “emulem” elementos da década de 1950, como as vestimentas (os famosos ternos com óculos escuros), as letras (o famoso “I woke up this morning” e as temáticas batidíssimas sobre mulheres, bebidas e a falta de grana). O blueseiro brasileiro adora fazer “cosplay” de estereótipos antigos. Quando se fala em blues, quase automaticamente vem a palavra “clássicos” ou “tradicional” a acompanhando. Assim, não há, no blues brasileiro, os grandes poetas do gênero (como há com o rock), grandes cantores, álbuns revolucionários e divisores de águas, e sim, uma multidão de gente vestida mais ou menos igual e tocando os mesmos “clássicos” de sempre, como se não fosse permitido, ao blues, evoluir com o tempo, como é de praxe com qualquer outro gênero, e a própria sociedade. O Blues parece condenado a viver sempre congelado na Chicago dos anos 1950, e apenas esse estereótipo é permitido ou, no máximo, emular os ícones da chamada Invasão Britânica, que é formada pelas bandas inglesas que, influenciadas por esse universo musical, devolveram influência através de nomes como Eric Clapton, Led Zeppelin, Rolling Stones, Fleetwood Mac, dentre muitos outros. O blues brasileiro também é formado por grandes e talentosíssimos instrumentistas, geralmente guitarristas e gaitistas, que cantam. Raramente encontramos grandes cantores, ao contrário do que é de praxe no blues americano. Mais raro ainda é encontrar letras mais profundas, como é bem fácil encontrar no rock. É como se fosse obrigatório tocar os doze compassos clássicos do blues e inserir qualquer coisa para ser cantada. Geralmente, “não tenho grana” ou “sou alcoólatra” ou “perdi minha mulher”. Acho que o blues no Brasil, apesar de já ter um tempo de estrada considerável, passou da hora de deixar a sua adolescência mental, largar a mão dos “pais” (os blueseiros clássicos) e andar com as próprias pernas. No meu caso aqui, já passei por essas etapas, principalmente no início, quando ainda não tinha canções próprias, mas há tempos tive de olhar no espelho e entender que eu não sou americano, não sou negro, não tive pais ou avós escravizados, não trabalhei na lavoura de algodão, não sei o que é um ônibus com assentos reservados para esta ou aquela etnia. Eu sou brasileiro, baiano (não-soteropolitano por sinal), tive acesso à educação formal, tive pessoas como Raul Seixas na minha formação musical, vivo em uma cidade média atípica para o estado e tenho minhas próprias inquietações: não preciso me “fantasiar” de outro tipo de pessoa, de outro lugar e outra época, para tornar legítimo o meu blues. O blues é, antes de tudo, um sentimento, ou seja: arte, com suas características harmônicas e rítmicas, claro, mas não é língua morta. Ele chegou até aqui, no sudoeste da Bahia, onde a realidade é outra, e, assim como o rock, é perfeitamente adaptável a todo e qualquer contexto que encontrar, gerando novas ideias. Neste caso, acho que o pai (o blues) tem muito a aprender com o filho (o rock) sobre identidade própria e independência.
20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado etc)?
PO – Na cena rock, convive-se constantemente com a precariedade. Já ensaiei com banda em estúdio caindo aos pedaços, sem microfone e competindo com os outros instrumentos apenas com o “gogó”. Já toquei de graça muitas vezes, já me deparei com todo tipo de contratante mau-caráter, músico irresponsável, muita porta na cara, muitos “nãos” e muita gente que, por não saber dizer “não”, acaba nos desrespeitando profundamente, já dormi em rodoviária com a banda, já toquei em palco montado no meio da rua, já ensaiei em praças públicas, etc. Uma situação que nunca esquecerei é a de quando sofri alguma infecção nos ouvidos e fiquei completamente surdo por algumas semanas. Nessa época, eu vivia exclusivamente de shows, e não podia me dar o luxo de recusar apresentações, então fui acompanhar uma cantora ao cajón e backing vocal quando ainda conseguia escutar um pouco, digamos, uns 10%, no máximo. Me posicionei ao lado da caixa de som para tentar escutar algo e me basear nas vibrações dos graves. Consegui tocar, com muito esforço e sofrimento, mas as pessoas pareciam não acreditar quando eu dizia que estava surdo. Essa cantora, que eu havia ajudado bastante quando estava em início de carreira (na verdade, nem sabia cantar ainda, mas eu enxergava o potencial da sua voz) e eu era sócio de um dos principais espaços de música independente da cidade, me tratou com uma certa arrogância e impaciência, e nunca mais me convidou novamente para tocar. Foi mais um aprendizado sobre as pessoas. A sensação de voltar para casa, caminhando pelas ruas cheias de movimento e não conseguir escutar nada foi aterrorizante. O silêncio absoluto é amedrontador. Eu já tinha sofrido com algumas crises alérgicas onde não conseguia parar de tossir por meses, e cantar era torturante, e nessa vez da surdez, que durou quase um mês, fiquei com medo real de perder a audição definitivamente. Fui ao médico e, felizmente, voltei ao normal após algumas semanas de tratamento, mas nunca me esquecerei desse medo. Imagine o terror, para um músico, pensar na possibilidade de ficar surdo… Há escritos comoventes de Beethoven sobre sua angústia. Houve outra situação também, sobre a gravação de 2012, Miopia, que nasceu de um “calote” de um produtor musical que já durava quase um ano, por uma apresentação em um festival que, inclusive, me causou transtornos com um músico contratado e tudo o mais. Reuni a banda, entramos em seu escritório quase como um grupo de gângsteres mal-encarados e exigimos o pagamento ou a gravação de uma música em um estúdio local, com quem ele tinha parceria. E assim foi. Esta história eu contei em detalhes no site do Distintivo Blue, no post A história por trás de “2012, Miopia”.
21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
PO – O que me deixa mais feliz na carreira musical é conseguir viver de algo que realmente amo, criando coisas que acredito, deixando um legado, uma marca no mundo, e isso todos sabemos que é muito difícil. Boa parte das pessoas não consegue se realizar profissionalmente, ocupando a maior parte do seu tempo de vida em trabalhos que não representam o que realmente acreditam ou o que gostariam de fazer. É um problema comum na civilização contemporânea, muitas vezes movido pela necessidade e outras pela simples falta de iniciativa e coragem. Há uma música minha chamada O Terror, que será lançada no próximo álbum, e retrata esse ponto de vista específico. Um trecho diz: “gasto meus dias com tantos problemas / que não são meus e nem valem a pena”. É frustrante não poder trabalhar com o que se gosta de verdade, porque não somos máquinas, e sim seres dotados de sentimento. Penso que ninguém nasce para não ser feliz, porque viver é uma oportunidade ímpar e raríssima. O mais triste, talvez, seja o outro lado da moeda: trabalhar com o que gosta tem seu preço. No caso da arte, no Brasil em especial, é a dificuldade constante, a instabilidade, a imprevisibilidade, que também causam frustração. Como pesquiso a música na sociedade, converso bastante com músicos independentes, e me parece haver uma frustração generalizada, com o não-reconhecimento, o desrespeito, o desprezo da sociedade com a profissão, que é imensamente importante e presente. Quem consegue passar um dia inteiro sem escutar uma música, ver algum vídeo, ver uma pintura, alguma atuação, uma escultura, um bom texto? Ao mesmo tempo, por que somos tratados como mendigos, vagabundos ou pessoas dignas de pena e desdém? Por que a arte é tão difícil de ser uma profissão se é tão importante? A vida real tem essas dualidades: algo pode ser, ao mesmo tempo, maravilhoso e terrível, despertar admiração e frustração. Como disse, é possível odiar fazer o que mais se ama, quando a frustração é alimentada demais pelo ambiente.
22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
PO – Como em qualquer área, existem pessoas que parecem “ter nascido” para aquilo, demonstrando uma grande habilidade, aparentemente nata. Quanto a isso, não tenho explicação: isso simplesmente existe e ponto final. Há todo tipo de atividade e todo tipo de gente no mundo. Natural que alguns se inclinem mais a uma e não a outra, ou a algumas e não a outras. Mas, este é apenas um dos caminhos para se chegar a um objetivo. Sempre existe a possibilidade, movida à vontade sincera, de se buscar a excelência em algo, através da pesquisa, o estudo, a exposição, a tentativa, o trabalho duro. Portanto, para os que desistem de algo que julgam interessante usando a justificativa de “não ter nascido” para aquilo, talvez realmente não tenham nascido. Se tivessem, arregaçariam as mangas até aprender e dominar o que desejam. A vontade move montanhas. A capacidade humana para se superar é muito grande, mas muitas vezes subestimada, inclusive por influência do meio. Você quer REALMENTE algo? Se você não se posicionar para chegar a isso, esse objetivo não baterá à sua porta espontaneamente. É preciso demonstrar ao Universo que você deseja aquilo, pensar positivo, mas pragmaticamente. O que pode ser feito para se chegar realisticamente a esse objetivo? Feito esse mapeamento, não há mistério: é agir. Uma pessoa com habilidade nata pode sim ser superada por outra com espírito de vontade e insistência. Isso é o que nos faz humanos.
23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?
PO – Improvisar musicalmente é usar o instinto para executar algo, mas considerando a linguagem que se fala. Se você detém, por exemplo, a bagagem necessária para tocar o blues, é apto a desligar parcialmente a racionalidade e deixar o feeling tomar as rédeas, criando frases, arranjos, solfejos, às vezes até mesmo letras, como se vê nas batalhas de rap ou de repentes nas feiras nordestinas. Tem um pouco de planejamento prévio, mas a maior parte é inconsciente, criada no calor do momento. Requer hábito, como o falar ou andar. Ninguém precisa pensar em como se deve caminhar ou falar: simplesmente caminhamos e andamos, de acordo com a necessidade, instantaneamente. O improviso é algo dessa natureza, presente em todo ser vivo, para superar os obstáculos/desafios impostos pela vida. Improvisar é sentir a música em sua essência e responder à altura, com sua própria personalidade.
24) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?
PO – Como disse, é preciso ter bagagem para improvisar, conhecimentos prévios que podem ser o estudo formal, a observação, a familiarização com aquele determinado universo. A imersão. Não se improvisa sobre o totalmente desconhecido. Se alguém executa algo demasiadamente ensaiado, deixa de ser improviso. Improvisar sem bagagem prévia, para mim, é impossível. Um bebê não consegue correr em sua primeira tentativa: ele precisa conhecer melhor o próprio corpo, a ação da gravidade, desenvolver seus músculos para chegar ao ponto em que será capaz de correr. Ninguém consegue dirigir bem em sua primeira tentativa: o carro sequer sairá do lugar direito se não houver um conhecimento prévio. Assim é com a improvisação musical, ao meu ver. Improvisar significa aplicar um conhecimento adquirido previamente.
25) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre Improvisação musical?
PO – Eu nunca estudei formalmente improvisação, mas sou capaz de improvisar. É importante e eficaz estudar com método, economiza tempo e fornece segurança, mas não é o único caminho para se aprender a improvisar. Uma preocupação constante minha a respeito é sobre quando o músico transforma a música em algo demasiadamente técnico. Costumo dizer, claro que exagerando um pouco, que a música técnica demais, racional demais, perde a subjetividade típica da arte e se reduz a mera matemática, uma ciência exata. Existem muitos virtuoses capazes de execuções incríveis, mas que não me tocam. Parece não haver suor naquilo, como se fosse algo criado por uma máquina, o que me lembra uma discussão recente, sobre a inteligência artificial na arte: a graça da música, da arte em geral, é justamente saber que aquilo foi produzido por um ser humano, inevitavelmente imperfeito, mas capaz de se superar e nos surpreender. No século XIX, havia um aparelho chamado pianola, que “lia” rolos de papel perfurados e emitia notas. Fez tanto sucesso que passaram a compor obras eruditas especialmente para ela, que chegava a “executar” músicas humanamente impossíveis de ser tocadas. Algo assim é interessante, para matar a curiosidade, mas nada substitui uma apresentação musical convencional, com um ser humano de verdade executando algo bonito e impressionante. Uma máquina não improvisa, apenas segue comandos previamente estabelecidos, inclusive o comando de “improvisar”.
26) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical?
PO – O mesmo referente ao estudo de improvisação. O contexto é o mesmo: linguagem. Existe uma matemática, uma lógica na música, e a harmonia é a teorização dessa lógica, de acordo com estudos sobre o que causa mais ou menos impacto em nossas mentes. Aprender harmonia é extremamente útil, sobretudo quando pensamos a música em conjunto com o mercado e suas fórmulas. As pessoas gostam do previsível, e algo que se afasta demais dos padrões tende à rejeição, por isso a música experimental nunca estará no mainstream e por isso temos a sensação de familiaridade quando escutamos o “novo sucesso” da dupla pseudossertaneja: é porque aquilo não só não é novo como é previsível. Daí vem o que eu disse sobre me incomodar saber que a indústria trabalha baseada na subestimação da nossa inteligência e senso crítico. O lado ruim do estudo harmônico, mais uma vez tem origem no excesso: se a lógica harmônica é exageradamente levada em conta, não se criará nada novo, nada que negue as regras e demonstre que a arte não cabe em uma ciência exata. Nesse sentido, é possível que um analfabeto musical crie coisas mais interessantes que um erudito. A música também nunca será propriedade apenas dos estudiosos. Basta ser humano para ser capaz de criar.
27) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
PO – É importante pensarmos que existem rádios e rádios: comerciais, comunitárias, universitárias, de algum órgão público, web rádios independentes, rádios piratas… Vez em quando eu consigo entrar em rádios comerciais, geralmente participando ao vivo de algum programa, e então tenho a oportunidade de tocar ou de tocarem algum fonograma meu. Porém, dificilmente tocam novamente, quando eu não estou mais lá. Nas rádios públicas, como as universitárias ou de órgãos públicos, como a Rádio Câmara, é menos difícil, mas depende muito da mentalidade do locutor ou diretor, em colocar ou não certas músicas para tocar. Recentemente estive em uma dessas emissoras, a UESB FM, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, que é uma das poucas que tocam minhas músicas de vez em quando, denunciando que é preciso destruir a mentalidade de que, por exemplo, música regional/local deve ser tocada em programas específicos, em horários específicos, para integrar a programação normal da emissora, afinal, todo artista é “regional” de algum lugar. Há como se enviar as músicas para as web rádios, rádios comunitárias, etc e ser tocado. Para isso, inclusive para se participar de programas de rádios comerciais, é fundamental ter um bom material de apresentação, criar uma rede de contatos, demonstrar interesse, conversar com gente. Em nível local não é tão difícil. Já para além dos limites da sua cidade a dificuldade vai aumentando. Por exemplo: em Salvador, existe a Educadora FM, uma rádio pública, que tem uma boa programação, mas inserir uma música nela é muito difícil. Eu só consegui uma vez, porque essa rádio faz um festival anual onde as músicas classificadas tocam na programação durante o período de votação, e outras duas vezes, em um programa específico sobre blues. Mas eu sei que se eu conhecesse alguém decisivo lá de dentro, ela tocaria sempre, na programação normal. Assim, música independente consegue chegar às rádios e programas independentes. Aqui em Vitória da Conquista, havia um programa semanal que durou mais de quinze anos (até o falecimento do locutor/produtor, Miguel Côrtes Filho, em 2012) chamado O Som da Tribo. Era em uma rádio comercial, a mais antiga da cidade, com uma janela de duas horas semanais, aberta para qualquer artista independente que enviasse sua música. Aquilo foi transformador para a cultura da nossa região e colocou o rock enquanto uma cultura regional potente e obrigatoriamente considerável, em um contexto onde a “sociedade mainstream” desprezava essa cena musical. Hoje, não há eventos públicos, promovidos pela prefeitura, sem espaço para o rock. Tudo isso foi possível com muito esforço da própria cena, que tinha na iniciativa de Miguel um porto seguro. Eu não sei como funciona, de verdade, a questão do jabá nas rádios hoje em dia. Nunca ouvi falar disso no rádio local (o que não significa que não exista), e acredito ser possível colocar música nas rádios na base dos contatos. Bem, não tenho dinheiro para pagar jabá e ainda que tivesse, não pagaria: investiria em formas mais úteis de gerar resultados. Então, sigo buscando formas de distribuir minha música por aí, inclusive em outros países. É uma luta eterna, mas há gente aberta e disposta a ajudar e conhecer novas propostas sim. Você é um bom exemplo.
28) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
PO – Pé no chão, cabeça levantada (mas não a ponto de se sentir a última bolacha do pacote), foco, insistência e muito estudo (não apenas de música), com senso crítico. Consciência de quem é, de onde está, de onde quer chegar e como quer ser lembrado. Há tempos, escrevi um texto interessante, chamado 10 dicas para músicos da noite, em que passo um pouco da minha experiência, baseado em muitos problemas que presenciei (e lições que aprendi), a maioria superável pelo simples bom senso, por exemplo: os músicos “aventureiros” colaboram para a subvalorização dos músicos profissionais, porque os contratantes (aqui me refiro especificamente aos barzinhos) olham quase sempre primeiro para a questão financeira, por isso é preciso saber se valorizar, agindo profissionalmente. Assim, você não deve reforçar o estereótipo do músico “porra-louca”, que torra o cachê inteiro com bebidas e ainda sai devendo, negando o fator “trabalho” presente. Todo músico que reclama da desvalorização deve ser o primeiro a se olhar no espelho e detectar onde, em sua própria atitude, há uma legitimação para que o desvalorizem. Músico é um profissional como qualquer outro, então todos são responsáveis pela boa imagem da nossa profissão. Leiam o texto, ainda que não sejam principiantes. Aliás, são justamente os calejados vaidosos que carregam inúmeros vícios que mais devem lê-lo com a mente aberta.
29) RM: Festival de Música revela novos talentos?
PO – Revela sim, para o seu público. Então, tudo depende do poder de projeção do festival. No festival da Educadora FM (Salvador), que citei anteriormente, as músicas classificadas a cada etapa vão tocando na programação da rádio e eles publicam um site com essas músicas, inclusive para a votação do público. Quem escutar a rádio nesse período ou se interessar em acessar o site vai conhecer coisas novas. Quem for a um festival competitivo em um espaço físico, vai conhecer coisas novas. Quem for a um festival não-competitivo, idem. Já o alcance de um festival dos tempos da TV Record, que era uma grande atração nacional, em tempos onde a TV era o principal meio de comunicação de massa, atualmente é mais difícil, porque as pessoas (físicas e jurídicas) com poder suficiente para promover grandes eventos não têm demonstrado iniciativa para isso. O Woodstock com certeza foi fundamental para muitos artistas que hoje são considerados lendários. O Rock in Rio simplesmente transformou a indústria musical brasileira, em 1985, e refletiu na cultura em geral, como pude estudar em meu mestrado. Bandas independentes surgiram em diversas cidades do Brasil porque o rock passou a ser bastante projetado na mídia da época. Isso modifica as culturas, cria novas tendências. A experiência de assistir a um festival competitivo em um teatro é muito interessante, e todos ali já entram no espaço com a mente aberta para novas músicas, ao invés de esperar por “clássicos” do passado. Isso eu considero muito importante e faz muita falta, sobretudo em tempos onde há “show-tributo” o tempo todo, uma explosão do “vintage” e, óbvio, o que eu chamo de “mercado da nostalgia”, que fortalece essa mentalidade ao mesmo tempo em que sufoca a música autoral, porque os músicos são muito mais bem-vindos quando tocam músicas conhecidas, que evocam os “bons tempos”, como se o hoje não tivesse nada a oferecer. Tenho pesquisado bastante sobre isso atualmente, e daí nasceu meu subprojeto Toca Autoral!, para incentivar a produção autoral e protestar contra esse mercado.
30) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
PO – Depende. A Globo, por exemplo, segue enfiando goela abaixo seu casting da Som Livre, repleto de pseudossertanejos e aqueles pseudofunks cariocas. Em paralelo, há aquela elite musical intocável e que há tempos deixou a ousadia para trás e vive de passado, como Roberto Carlos, Lulu Santos, Chitãozinho & Xororó (consequentemente, Sandy & Junior também têm espaço cativo), Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil… Estes são tratados como “entidades musicais” quase divinas, a quem os novos sempre precisam fazer o “beija-mão” obrigatório para conseguir espaço. A TV aberta se resume a isso. Nas redes estaduais, como a Rede Bahia, também filiada à Globo, há seu próprio grupinho eterno. Nesta rede em questão, há sempre bastante espaço e insistência para a música rebolativa de Salvador, às vezes gerando situações constrangedoras, como quando colocaram, no programa regional sobre o São João, alguns anos atrás, o pagodeiro Léo Santana para representar a Bahia, tocando forró, o que gerou muita, mas muita crítica. É o mesmo modus operandi de “enfiar goela abaixo” até o limite do limite, a mídia tradicional fazendo o que sabe de melhor: alienar e projetar seu lucrativo universo fictício à massa. Já na internet, especificamente no YouTube, há aquele formato de programa de entrevistas que virou uma febre, mas que oferece um conteúdo bem mais interessante, com artistas de carreiras longevas e mais recentes. Chamam de podcast, mas é sempre bom lembrar que podcast não é um programa de entrevistas, mas um formato de mídia que pode ser “assinado” por um feed. Nesse sentido, há programas de grande audiência nacional e internacional, mas também há os programas de alcance local, que são interessantes. Há os blogs musicais, com textos, os programas de rádio… Nas rádios não-comerciais é mais fácil encontrar conteúdo mais relevante, sem ser bombardeado por publicidade o tempo todo. Enfim, há muita coisa sendo produzida e isso torna tudo mais confuso quando não pensamos em nível de “nichos”, mas quando organizamos as ideias para a pesquisa, fica mais claro onde devemos procurar bons conteúdos, dentro dos temas que mais nos interessam. Costumo dizer há anos que a internet trouxe uma palavrinha nova ao público: “pesquisa”. Agora não dá mais para simplesmente ligar a TV ou o rádio e esperar o que será jogado de lá: agora temos muita opção e devemos saber onde buscar o que mais nos soa interessante, sob pena de perder nossa vida consumindo as ilusões da grande indústria que, como já disse, preocupa-se em vender embalagens vazias e de consumo rápido.
31) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
PO – Eu conheço a importância histórica dessas instituições. Vejo os editais e projetos do Itaú Cultural através da internet, mas aqui em minha cidade, fisicamente, ainda não é algo consistente. Nem saberia dizer se há algo feito pelo Itaú por aqui. O SESC, sobretudo o de São Paulo, foi um grande aliado da cultura como um todo. Projetos como o Sonora Brasil e o Palco Giratório são fabulosos, e promovem a formação de público e a circulação da cultura, que é uma das suas razões de existir. Aqui em Vitória da Conquista há unidades do SESC e SESI. Deste último tenho pouco a dizer. Não vejo divulgação sobre suas atividades nem artistas locais anunciando qualquer atividade por lá. Sobre o SESC, onde já trabalhei, no início da década passada, lamento muito dizer que seu profundo amor pela burocracia e pela ineficiência fez com que os artistas locais simplesmente desistissem de procurá-lo. O SESC se tornou uma entidade tão engessada, na contramão de todas as tendências modernizantes, que limitou demais seu potencial. A absurda busca pelo que chamam de atendimentos (números frios que levam em conta apenas a quantidade de pessoas atingidas, e não a qualidade dos serviços prestados) somada a uma má vontade generalizada me geraram um pensamento bastante crítico sobre ele. Apesar de se divulgar, por um tempo como “a maior rede privada de bem-estar social”, trata-se de uma entidade paraestatal, ou seja: há dinheiro público ali, destinado ao povo, e o princípio administrativo da Eficiência muitas vezes é ignorado. Os agentes culturais não têm interesse em criar efetivamente, pois se o número de atendimentos cresce demais, será uma dor de cabeça superá-lo no próximo ano, então pisa-se propositadamente no freio. Escrevi um texto sobre um evento que realizei pelo SESC em 2012, de rock, em uma praça pública da cidade, que foi um grande sucesso, mas foi malvisto pelos meus superiores e, portanto, descontinuado. Quando você vem de uma cena musical que convive sempre com a precariedade e se depara com o grande poder de realização de um SESC, com a possibilidade de criar algo, e o vê ESCOLHER não usar essa potência, é muito frustrante. Vi todos os artistas da minha cidade, um a um, desistirem do SESC como uma possibilidade, por causa do excesso de exigências burocráticas, os cachês baixos demais, a falta de diálogo e de interesse real em se promover cultura. É muita má vontade, como sempre, desperdiçando dinheiro público. Penso que todo o Sistema S deveria ser revisto com a devida transparência e publicidade.
32) RM: Apresente seu projeto de pesquisa Memória Musical do Sudoeste da Bahia.
PO – O Memória Musical do Sudoeste da Bahia, como o título bem diz, é um projeto de pesquisa, fomento e preservação, com a musicalidade da minha região como objeto. Teve início formal em 2019 e compreende três fases principais de atuação: na primeira, eu reúno e publico todo o material que eu mesmo coletei e armazenei desde os tempos em que fazia a graduação em História, no início da década de 2000; na segunda, coleto e insiro, ao acervo, material de terceiros; na terceira, passo a produzir conteúdo original, ou seja: não é apenas um museu, mas um complexo cultural (por enquanto ainda apenas virtual) de onde retirei o recorte da cena rock e desenvolvi a minha pesquisa de mestrado. Assim, o site do @memoriasudoeste é um grande portal independente onde há reportagens de época, entrevistas, vídeos, resenhas, áudios, cartazes, fotografias, álbuns raros, textos acadêmicos e escritos por pessoas comuns, sempre com a nossa música como centro. O site é alimentado diariamente, nem que apenas com uma pequena postagem. Eu senti a necessidade de publicar por lá material de terceiros porque, durante a pesquisa, percebi que muitas vezes as pessoas desistem dos seus sites pelos mais variados motivos, o tempo de renovação do domínio (o endereço do site) se encerra, o site sai do ar por isso e o conteúdo se perde para sempre, levando informações valiosas ao esquecimento, porque a maioria dessas pessoas não se preocupa em preservar essas coisas. Muitos artistas sequer têm uma cópia dos seus discos em casa. Material como clipping então, mais difícil ainda. Já outros se preocupam em guardar esse tipo de documento e costumam me ajudar bastante. Tenho registrado e disponibilizado participações de outros artistas em programas de rádio e TV também. Nada disso fica guardado: o grande objetivo do Projeto é tornar esse material público, facilmente acessível, inclusive para servir de fonte para outros pesquisadores. Recentemente, consegui uma cópia do vinil da SS-433, até o momento a primeira banda de blues da Bahia, de Vitória da Conquista, formada em 1982. Passou todos esses anos oculto e limitado apenas aos que ainda têm o disco, um compacto, lançado em 1984 e agora vou publicar o áudio, a capa, a imagem da bolacha e levá-lo às rádios para que as pessoas o redescubram. Há outros materiais igualmente interessantes, como o LP do antigo Festival de Inverno da Bahia, que acontecia na década de 1990 e revelou vários artistas importantes da cidade, como Geslaney Brito, que você entrevistou recentemente. Eu também o entrevistei para a minha pesquisa de doutorado e é um grande representante da nossa música. É um trabalho fascinante, que amo e tenho a grande honra de fazer. Espero, com ele, incentivar outras pessoas para que se preocupem mais com a nossa cultura, combatendo o esquecimento e incentivando mais iniciativas. Também na parte de criação de conteúdo, há a zine Memória Musical do Sudoeste da Bahia, inspirada na BLUEZinada!, que é uma forma de divulgação da pesquisa, distribuída gratuitamente, em formato impresso e digital (pdf), e o subprojeto Toca Autoral!, uma resposta ao famoso bordão “toca Raul!”, um símbolo da música cover, que vem agindo predatoriamente sobre a produção autoral. Nele, reuni três artistas locais para a gravação em vídeo e áudio de seis canções, necessariamente autorais, além de uma fala autobiográfica e pequenas falas explicando cada uma das faixas. Os vídeos foram lançados em versões “longas”, com cerca de quarenta minutos de duração, com todo o conteúdo de cada artista, bem como as músicas separadas, para facilitar a divulgação. Os áudios foram mixados e publicados como EPs nas plataformas de streaming e ainda houve uma sessão de fotografias com cada um. Foram nove meses de trabalhos nessa primeira temporada e todo o material, que também inclui bastante texto explicativo, letras das músicas, é entregue para que cada artista o acrescente ao seu portfólio e o utilize como bem entender, fortalecendo sua carreira. Importante destacar: não há qualquer cobrança ou custo a eles. Tudo foi produzido por minhas mãos, com recursos próprios. A ideia é que as temporadas sejam anuais e ocupem espaços culturais simbólicos da cidade. Se gerar algum lucro, dividiremos de forma justa. O meu objetivo maior, e ainda inalcançável, é a criação do Museu Memória Musical do Sudoeste da Bahia, em espaço físico e permanente. Chegaremos lá, um passo de cada vez.
33) RM: Quais os seus projetos futuros?
PO – Eu entendi que a música nunca vai me deixar e que eu não consigo ser uma pessoa plena sem ela. Eu respiro e me movo musicalmente. Nunca conseguirei ser um mero “consumidor” de música. Por isso, pretendo seguir compondo, tocando, cantando, produzindo até o dia em que me for permitido respirar. Costumo dizer sempre, “o Distintivo Blue não acabará nem mesmo quando eu morrer”, porque minhas músicas estão gravadas e publicadas. Eu pretendo escrever um testamento com instruções sobre o que fazer com a minha obra quando isso acontecer, para que não caia no esquecimento por falta de cuidados. Neste momento estou lançando material inédito, como os álbuns Shut Up! Volumes II e III, que são versões instrumentais de músicas já lançadas, e iniciando um cronograma de gravação de dois álbuns totalmente novos para lançamento ainda em 2023, naquele formato já mencionado, comigo tocando tudo sozinho ou, no máximo, com a participação de algum amigo. Esta é uma etapa para marcar a “virada de página” dos tempos em que eu me iludia pensando no Distintivo Blue como um coletivo democrático para a fase atual, onde finalmente compreendi que sempre foi uma carreira solo. Quem conhece o trabalho apenas por redes sociais ou plataformas de streaming perceberá uma mudança considerável na sonoridade, e essa é a intenção mesmo: os velhos tempos acabaram, fazem parte da história e não serão apagados, mas são apenas passado. “Viver é acumular cicatrizes”, diz uma das músicas que farão parte de um desses novos álbuns. Já no projeto Memória Musical do Sudoeste da Bahia, sigo juntando material, fazendo entrevistas, inclusive como parte da pesquisa do doutorado, registrando cada vez mais material novo, como aparições de outros artistas na mídia, escrevendo textos e enriquecendo o acervo. Subprojetos como a zine homônima e o Toca Autoral! Também estão na pauta. Ainda em 2023 vou gravar a segunda temporada deste último, ocupando algum espaço público simbólico da cidade, e disponibilizar tudo de graça, colaborando ativamente para a preservação cultural da minha região. É uma missão que assumi com bastante prazer e que me satisfaz bastante. Só não tenho planos de fazer turnês tão cedo. É algo muito cansativo e muitas vezes insustentável. Sem um apoio financeiro real, talvez não queira mais me aventurar dessa forma. Não sou mais um garoto sem dores e gosto muito do conforto do meu lar.
34) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?
PO – Eu uso dois smartlinks gerais: um é o http://linktr.ee/distintivoblue para o meu trabalho artístico, e o outro é o http://linktr.ee/memoriasudoeste para o meu trabalho de pesquisa. A partir destes, é possível encontrar tudo o que faço e que considero mais importante. Tem a discografia completa, o site oficial do Distintivo Blue, com bastante informação, todas as letras, álbuns comentados, blog, histórias, o site da BLUEZinada!, que não alimento mais, mas que faço questão de manter disponível, porque há muito material valioso sobre o blues. No outro link, há o site do meu projeto Memória Musical do Sudoeste da Bahia, alimentado diariamente, minha dissertação de mestrado e outros textos, biografias e álbuns raros de artistas locais, links das redes sociais, vídeos… É todo um universo construído com muito amor e dedicação e que faço questão de manter público, porque se trata da cultura de todos nós, a nossa identidade brasileira, sob um ângulo específico, tão importante quanto qualquer outro. Claro, as formas de contato diretas, como e-mail e WhatsApp, também estão aí. Agradeço demais pela oportunidade e o espaço. Iniciativas como estas são muito importantes e valorizam o artista independente. Me sinto verdadeiramente honrado por esta entrevista e a divulgarei por aí com orgulho. Grande abraço, daqui do sudoeste da Bahia.
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