Por I. Malförea
Elomar é uma figura ímpar na música brasileira, desses que só aparecem uma vez a cada era distante, assim como um João Gilberto ou um Villa-Lobos. Fez escola sem querer, a partir da década de 70, quando, a contragosto, gravou seu primeiro disco, …Das barrancas do Rio Gavião. Até hoje é idolatrado em todo o mundo por pessoas que facilmente o apontariam como o maior artista da música brasileira, apesar de ser muito pouco conhecido pelas novas gerações.
Sua aversão à mídia contribui muito para isso, e se tornou parte fundamental de todo o misticismo que o envolve: um homem rabugento que gosta de se enfiar em suas fazendas onde cria bodes e que detesta ser fotografado/filmado. Num dos raros vídeos de entrevista disponíveis na internet, não hesita em dizer que não suporta se apresentar e odeia televisão (veja logo abaixo). O que faz um homem assim ser tão amado pelos fãs que, diga-se de passagem, não estão na grande massa, e sim nas universidades, apesar de seus temas serem puramente sertanejos e compreensíveis pelo verdadeiro homem do campo do sudoeste da Bahia?
Elomar é meu conterrâneo. Também mora em Vitória da Conquista, terra-natal de outro ícone, Glauber Rocha. Já estive com ele uma ou duas vezes há muito tempo, e volta e meia o vejo em sua pick up andando por aí, além de passar em frente à sua casa regularmente. Isso, para algumas pessoas que moram longe, é simplesmente um sonho inalcançável. É uma sensação no mínimo curiosa. Este senhor de quase 80 anos, cabelos longos, botas, chapéu e com a cara de qualquer severo chefe de família do sertão parece um personagem de HQ: está sempre com a mesma aparência e, já sabemos, não é por marketing. Tudo em Elomar é absurdamente autêntico.
Seu estilo musical não é fácil de definir. Possui formação de violão clássico e invoca temas dos trovadores medievais constantemente, e misturando ao dia-a-dia do homem da zona rural da nossa região. É um sertanejo-erudito que consegue traduzir mais que perfeitamente esse povo, e isso é o mais incrível em sua obra: a música que é estudada pelos maiores teóricos da música e da poesia em todo o mundo pode ser compreendida sem qualquer dificuldade por qualquer pessoa que trabalhe com a enxada e apenas saiba escrever o próprio nome. Sua música cria uma distorção no tempo-espaço que consegue unir a Europa medieval à caatinga de forma incrivelmente natural e lógica.
Na década de 40 havia uma busca incessante por uma identidade nacional legítima, livre de estrangeirismos “desnecessários”, como os vindos dos Estados Unidos, então os holofotes viraram-se a Luiz Gonzaga, que também conseguiu traduzir uma parcela da nação de forma extremamente autêntica. Em 1956 seu reinado enfraqueceu (por ser música de mídia, explorada à exaustão) e entrou no chamado ostracismo, cedendo esse espaço à bossa nova e aos sambas cariocas, só voltando “à moda” quando os tropicalistas tiveram a coragem de assumir sua devoção ao pernambucano. Não há dúvida que Elomar, se já estivesse envolvido com a música profissionalmente nesse período, seria um sério candidato a sucessor do título de “símbolo musical brasileiro” que o baião deixou para a bossa nova. Sim, é música puramente brasileira, de altíssimo nível, e sem nenhuma influência do jazz americano. Exatamente o que se buscava.
O grande problema de Elomar é o mesmo de outros ícones, como Raul Seixas ou artistas mais recentes, como Los Hermanos (a quem nunca consegui escutar sequer uma faixa inteira): os fãs. Fiquem à vontade para criticar nos comentários, mas confesso que não consigo conversar por alguns minutos com um fã fervoroso do Elomar: os narizes empinam, o ego infla e fico esperando surgirem a cartola e o monóculo como por passe de mágica. Como disse anteriormente, Elomar é idolatrado nos meios acadêmicos, onde muita gente se sente a última bolacha do pacote. Ouvir Elomar, para alguns, é sinônimo de ser sim da elite intelectual brasileira, o que me afasta e impede de conhecer um pouco mais sua obra. Prefiro ouvir sozinho, imaginando as histórias com personagens bem reais, da zona rural da minha região, com quem este gênio um tanto antissocial se dá tão bem.
Os paulistanos terão, ainda neste mês, duas oportunidades de conhecer de perto esta lenda viva, nos dias 18 e 19, no Auditório Ibirapuera a preços muito mais acessíveis do que teríamos aqui em sua casa. Aproveitem e, se possível, contem como foi a experiência, aqui nos comentários.
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Publicado originalmente em 10/07/2015, em Troca o Disco.
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