Gilmar Dantas volta no tempo, para o ano de 2003, “auge da cena rocker de Conquista”, e comparar com o que temos hoje
Por Gilmar Dantas*
Há diversas formas de analisarmos a cena musical de Vitória da Conquista dos últimos dez anos. Tem muita coisa que não mudou, mas, em geral, hoje é muito mais fácil fazer evento, banda ou contar com um veículo de comunicação – três itens essenciais de uma cena. Duvida? Veremos na prática. Vamos voltar no tempo, para o ano de 2003, “auge da cena rocker de Conquista”, e comparar com o que temos hoje.
Bandas:
Se tínhamos quarenta bandas naquela época, umas duas ou três eram autorais de qualidade. Quem tocava música própria era completamente hostilizado. Uma cena clássica é a apresentação da banda Automata (Salvador), no Conquista Rock Festival de 2004: logo no começo do show, o vocalista anunciou que só tocaria música própria e imediatamente as mil pessoas presentes no evento viraram as costas para o grupo. As bandas covers dominavam completamente e o grande evento de 2004, em termos de público, foi o Cover Rock, claro. “Ah, mas é que o público gostava das bandas locais, não das bandas de Salvador”. Mentira, o público gostava de Iron Maiden, Legião Urbana, essas coisas. Quem ainda insistia em compôr não tinha estúdio disponível a preço acessível ou de qualidade.
Eventos:
Em 2003, os produtores começaram a arriscar trazer grandes bandas independentes pros seus festivais. Como o público não estava nem aí pra música que acontecia no país, queria apenas ouvir aquilo que podia ouvir no rádio, os eventos com essas bandas davam muito prejuízo. A primeira edição do Outono Alternativo gerou um prejuízo de R$ 9 mil. Já a terceira edição do Agosto de Rock gerou um prejuízo de mais de R$ 20 mil. Quem quisesse fazer algo para não perder dinheiro, tinha que fazer cover. Patrocínio? Nenhum. Apoio do poder público? Muito menos (nem edital tínhamos).
Veículos de comunicação:
Quase ninguém tinha internet. Então, tinha que gastar dinheiro mesmo com impressos e rádio (TV ninguém tinha dinheiro pra fazer). A única saída que tínhamos era o Som da Tribo, do saudoso Miguel Côrtes, mais nada. Os blogs estavam ainda começando a existir, sem nenhum apelo popular, eram todos muito elitizados.
Mas e hoje? será que as dificuldades são as mesmas? Vejamos:
Bandas:
Hoje gravar é muito fácil. Tem estúdio com preços acessíveis e quem não tiver um mínimo de recurso pra pagar um bom estúdio pode gravar até em casa sem passar tanta vergonha. As bandas covers praticamente nem existem mais e as composições próprias estão sendo cada vez mais valorizadas. A maioria dos festivais nem aceita mais um grupo que não tenha a maior parte do seu repertório autoral.
Eventos:
Ninguém precisa mais perder entre oito a vinte mil reais pra trazer bandas de qualidade pra cidade. A segunda edição do Rock da Libido trouxe bandas tão boas quanto as atrações do Agosto de Rock ou do Outono Alternativo e ninguém precisou perder dinheiro pra isso. Tem eventos de tudo quanto é tipo acontecendo na cidade. Vitória da Conquista hoje já faz parte da rota dos principais agentes de shows internacionais. Tivemos show do Jon Gomm (Inglaterra), considerado um dos dez maiores violonistas do mundo em abril e em maio teremos a Floor Jansen, diva do metal mundial (atual vocalista do Nightwish e ex After Forever) com sua banda ReVamp. Já pararam pra analisar o que isso significa? Uma das maiores vocalistas do mundo em Conquista. E o mais espantoso: única apresentação do Nordeste. E sabe quais atrações estão sendo negociadas pra cidade? Nomes como David Gilmour, Morten Harket, Motorhead e Deep Purple. Sinceramente, vocês conseguem imaginar algo do tipo em 2003?
Veículos de Comunicação:
Hoje os blogs se popularizaram, as redes sociais também. Do favelado ao morador de condomínios de luxo, todo mundo pode ser encontrado na internet. É muito mais fácil divulgar seu evento ou banda. Os blogs estão cada vez mais acessíveis, cobrindo cada acontecimento e documentando todas as ações da cena musical conquistense. Não é preciso gastar mais uma fortuna com televisão pra divulgar alguma coisa.
Sabe o que falta mesmo? É a gente dar conta de tudo isso. É entender que hoje a gente tem mais poder de fogo, que a gente está em condição de negociar com qualquer um, que podemos compôr tão bem quanto qualquer um, que o Morten Harket pode fazer um show em Conquista e que o CAIM pode fazer um show na Noruega, que a Gaby Amarantos pode tocar em Conquista e que Polentinha do Arrocha pode tocar em Belém. Como diz o Emicida, é “a reforma agrária da música brasileira”.
Mas as pessoas desistem muito rápido. Metade dos leitores pararam na metade deste texto. Cerca de 90% das bandas locais pararam antes de completar cinco anos. E daí ficar em casa reclamando que não acontece nada e que há dez anos era melhor é muito fácil e pode trazer impressões erradas. Pense bem: será que não foi você que desistiu rápido demais?
*Gilmar Dantas é produtor cultural e membro fundador da Casa Fora do Eixo Vitória da Conquista.
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Publicado originalmente em 28/04/2014, em Revista Gambiarra.
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