Por I. Malförea
O Brasil foi pego de surpresa (apesar das notícias internacionais apontarem para o contrário) com a pandemia do COVID-19. A necessidade do isolamento causou profundas mudanças em todos os setores da sociedade: desde gigantes como empresas ligadas à aviação, médias empresas, até chegarmos ao mundo real: o dos microempresários e trabalhadores autônomos. Numa situação de crise, torna-se óbvio o corte de gastos, por ordem decrescente de importância à sobrevivência. Nesse sentido, o entretenimento é o primeiro a ser descartado.
Assim, o músico independente, figura indispensável na "noite", especialmente em cidades como Vitória da Conquista, de crescimento visivelmente acelerado, mostra-se como uma das grandes vítimas da pandemia. Boa parte deles tem nas apresentações musicais sua principal ou única fonte de renda. Entretanto, os bares e restaurantes, seu principal local de trabalho, estão fechados ou em atividade minimizada. Há uma certa hierarquia de indispensabilidade entre os profissionais ligados a esses estabelecimentos: um cozinheiro, um garçom, um operador de caixa podem ser reduzidos em número e carga horária, mas jamais extirpados do trabalho, uma vez que o próprio funcionamento do estabelecimento depende da presença desses profissionais. Já o músico, um prestador de serviço intimamente ligado à presença e permanência de clientes (não raro seus serviços são dispensados sem aviso suficientemente prévio quando "o movimento está fraco") não goza desta vantagem, afinal, lembrando, o entretenimento é o primeiro a ser cortado numa situação de crise, independente do contexto.
Assim, a quarentena de 2020 escancara a fragilidade da profissão músico, gerando inúmeras reflexões. O que fazer para contornar ou, ao menos, minimizar os danos? As contas não têm sentimentos, por isso, continuam normalmente a cair como bombas no orçamento de todos. Isto , vale lembrar, atinge a todos os profissionais da área: os shows de artistas do mainstream também foram cancelados. E falamos aqui no nível de megaturnês, com muito dinheiro envolvido. Felizmente, para estes, há planejamentos, reservas, variedade de investimentos e o mais valioso: um nome com grande engajamento do público envolvido. Este conjunto de fatores faz com que a nova enxurrada de lives nas principais redes sociais se mostre um bom negócio, e muita gente vem ganhando MUITO com a pandemia, direta ou indiretamente. Inclusive as pessoas carentes, através das lives beneficentes, façamos justiça.
Os artistas independentes sempre foram adeptos das lives e muitos são até mais familiarizados com o mecanismo que os peixes grandes. Há formas de colaborar através de doações, e isto realmente pode ajudar a segurar a barra. Mas é preciso pensar em mais formas, afinal, já chegamos à fase em que há tantas lives disponíveis que o público simplesmente se perde e não sabe para onde ir.
Uma iniciativa interessante partiu da cervejaria Heineken, conhecida por seu perfil moderno e inovador, quando se fala em publicidade: criou o projeto #brindedobem, onde qualquer pessoa pode colaborar com seu bar favorito, desde que previamente cadastrado na plataforma de crowdfunding Abaca$hi. A ideia é simples: você doa uma determinada quantia ao bar e terá créditos ou vantagens nele quando a quarentena terminar. Assim, as chances de falência do estabelecimento são amenizadas. Já há pesquisas confiáveis apontando um número assustador de fechamento de pequenas empresas por causa da pandemia, que surgiu num momento difícil do ano: após o carnaval, quando as pessoas ainda pagavam as dívidas do fim de 2019 e início de 2020 (incluindo natal, férias, material escolar, etc.), ou seja: todos foram pegos de calças nas mãos.
Inovando dentro desta inovação, surge a iniciativa do FomeStop, bar e restaurante com identidade musical voltada ao pop-rock, situado na região do shopping Conquista Sul: ao invés de simplesmente criar uma campanha para financiar o próprio bar, preferiu colaborar com os músicos da cidade. O dinheiro arrecadado (que contará com uma percentagem extra fornecida pela própria Heineken, segundo as regras do #brindedobem) será repassado a músicos que se apresentam normalmente na casa, como uma espécie de voucher para shows futuros: o artista recebe o cachê durante a pandemia e se compromete a realizar apresentações no FomeStop quando tudo se normalizar, contribuindo ativamente com a categoria.
É preciso aplaudir iniciativas como esta. Muitos ainda relutam em encarar o músico profissional enquanto um trabalhador como qualquer outro, com família, projetos de vida e necessidades comuns a todos. Grande parte tem, na música, sua única fonte de renda e não faz contribuições à Previdência ou reservas de emergência, reflexo de uma perigosa ausência de educação financeira no currículo escolar. Neste momento, a categoria dos músicos profissionais é uma das mais afetadas pelo COVID-19 e iniciativas como esta, somadas ao benefício emergencial do Governo Federal e o próprio espírito empreendedor através das lives, aulas e festivais virtuais podem significar muito. Que se pense cada vez mais em como tornar mais sólida esta profissão/atividade tão fundamental a qualquer sociedade .
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Em tempo, relembramos a existência da nossa pesquisa "Músicos e a Quarentena", voltada especificamente a esses profissionais, desde que pertencentes à região sudoeste da Bahia. O objetivo é apontar fragilidades atuais rumo ao fortalecimento da profissão músico. Para responder, basta clicar AQUI.
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