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O Acesso a Cultura em Cidades Pequenas


Noah Kinrin Azevedo Viana Silva
*

O acesso à cultura tem se expandido na Bahia principalmente em Vitória da Conquista de forma acessível e até gratuitamente tendo como exemplo o Moto Rock ou a Suíça Baiana. Mas a questão é: É de fato acessível para todos? Algumas bandas e artistas conseguem se apresentar de forma independente nesses eventos? o governo financia a cultura?

Conversando com produtores como Gilmar Dantas, produtor do Festival Suíça Bahiana, diz inicialmente que o evento surgiu em 2010, como um evento com cobrança de ingressos e acabou se tornando lei em 2020 e, desde então, passou a ser gratuito. Gilmar afirma que a prefeitura e o governo do estado têm financiado essas últimas edições.

“Cerca de 90% do custo do evento é bancado pela prefeitura e pelo estado, e o restante através do bar, praça de alimentação e merchandising. A iniciativa privada participa muito pouco, ou muitas vezes nem sequer participa.”

Ele também comenta que tem todo um processo na seleção de bandas e festivais não devam ser os primeiros palcos de uma banda. Ela precisa primeiro tocar em lugares menores, como bares e espaços alternativos para criarem demanda naturalmente. Apesar disso, os eventos ainda têm muito o que evoluir.

“Conquista precisa ter um calendário melhor organizado em que cada evento já saiba desde o início do ano com quanto poderá contar de aporte público, e assim poder se programar melhor. Precisa também ter mais espaços e apoio da iniciativa privada.”

Já para Maurício Franco, vocalista da banda Mórficos e produtor dos eventos MorficFest e Sabbath do Mau, ele diz que o governo pode sim financiar, mas sem um bom projeto e uma boa execução ela não funciona.

"O acesso à cultura em pequenas cidades sempre são escassos, exceto pela resistência de pessoas como eu, que fazem sem esse 'apoio ao governo' de forma totalmente independente."

Ele chega a falar que às vezes o projeto sequer é lido e que não há uma expectativa de retorno financeiro, contanto que a verba cubra a execução do projeto. Na maior parte, ele cria os eventos sem nenhum patrocínio. Ele também diz que as bandas têm visibilidade pequena porque não tem oportunidade em grandes festivais, principalmente as autorais, mas nos eventos da MorficFest, ele dá essa visibilidade a bandas independentes.

Na visão de Plácido Oliveira, produtor cultural que trabalha no projeto Memória Musical do Sudoeste da Bahia, diz que os empresários, em geral, demonstram interesse em patrocinar apenas eventos de grande projeção, como o Festival de Inverno Bahia, virando as costas ao cenário independente. Já o poder público tem seus editais de cultura, mas o próprio orçamento municipal para a Secretaria de Cultura é pífio. Assim, nunca houve, por parte do poder público municipal, um real interesse em um programa cultural para a cidade, se concentrando em eventos pontuais, sendo o São João e o Natal, os principais. Fora dessas datas, as iniciativas culturais da prefeitura são mínimas, e isso se reflete até mesmo na divulgação da existência dos poucos museus da cidade.

“Algumas iniciativas inicialmente privadas conseguem dinheiro público, tornando o acesso do público gratuito, como o Festival Suíça Bahiana e o Conquista Moto Rock. Estes conseguiram entrar para o calendário oficial da cidade, um mecanismo que se dá através de aprovação de lei pela Câmara dos Vereadores, fazendo com que eles aconteçam com periodicidade (anual) e contem com dinheiro público. Em contrapartida, o acesso do público deve ser gratuito. Ainda assim, como o orçamento ainda é pequeno, a divulgação não é tão eficaz, sobretudo offline, ao menos no caso do Festival Suíça Bahiana. O Moto Rock foi criado por um grupo formado por muitas pessoas influentes, tendo como principal sócio o proprietário de uma construtora (Prates Bonfim), por isso eles conseguem fazer uma grande divulgação, que perde apenas para a do FIB, que é imbatível por ser da Rede Bahia, filiada à Globo.”

Sobre os artistas, Plácido fala que é complicado, já que, em alguns eventos tem que participar dos editais, que têm a crescente obrigatoriedade de se encaixar nas cotas para aprovação, sendo prioridade nesses editais, gerando verdadeiras aberrações, pois precisam colocar essas informações nos editais para terem uma chance de participar, mesmo que artisticamente não tenha afinidade.

“É uma situação muito longe do ideal, e que avança a passos lentos. Há muita falta de iniciativa e de boa vontade em todos os lados, e a culpa está em todos os setores: poder público, iniciativa privada, artistas (que são extremamente desunidos e individualistas, no geral), mídia, etc. Não consigo ver uma solução imediata ou a curto prazo. O que pode mudar algo talvez seja a iniciativa individual para colaborar, pensando na cultura da nossa região como um todo, um patrimônio a ser preservado. E pensando nisso que criei o projeto Memória Musical do Sudoeste da Bahia, um “trabalho de formiguinha”, de pouco impacto no cenário geral, sem apoio de quase ninguém e mantido por recursos próprios, que tem portas abertas a todos os artistas da música do sudoeste, independentemente de gênero musical ou qualquer outra coisa.”

Nos olhos do público que frequenta tais eventos, alguns mesmo de outra cidade dizem que são bem localizados e são acessíveis, mas a reclamação sobre o custo alto das barracas de alimentação, que chega a custar o dobro ou o triplo do preço de um supermercado.

“Eu fui morador de Brumado por toda a minha vida e me mudei recentemente pra Vitória da Conquista. Eu percebi que aqui tem muito mais festivais em relação à minha antiga cidade que raramente tinha destes, tanto por falta de interesse governamental em investimentos em lazer e entretenimento, quanto por péssimo gerenciamento por parte do próprio governo. Eu já cheguei a participar de eventos em Vitória da Conquista antes de me mudar, como o FIB e a Anicon, além do Motorock que participei esse ano depois de me mudar, e desse tempo que eu passei em VCA, eu posso afirmar que um problema recorrente é a questão dos altos preços cobrados pelas barracas de comida e bebidas, que geralmente cobram o dobro ou até mesmo o triplo do valor que você acharia em qualquer supermercado por aí. Os espaços são até bem localizados, a acessibilidade do preço dos ingressos é, na minha visão, bem construída.”

Diz Lourival Alves de Oliveira Junior, estudante de engenharia da computação na FAINOR. O mesmo também comenta que o problema recorrente em cidades pequenas é realmente a falta de visão sobre o entretenimento da população.

“Nos meus círculos de conhecidos, muitos acabam preferindo as festas das cidades de fora, que são um pouco maiores, às festas da própria cidade, cuja não tem uma estrutura ou localizações favoráveis para receber artistas maiores e uma grande quantidade de pessoas.”

No ponto de vista de Maria Clara Pereira Botto Cal, a proposta desses eventos como o FIB, por exemplo são bem acessíveis, já que trazem artistas de um nível maior que geralmente se apresentam em eventos de grande porte como o Rock in Rio ou o Lollapalooza para cidades menores como aqui em Vitória da Conquista. Ela diz que, comparando com os preços desses eventos de grande porte como os eventos daqui, elas se tornam bem acessíveis. Porém há coisas que deixam a desejar.

“Dentro do Festival, tem coisas que deixam a desejar, como por exemplo a alimentação, que tem um valor realmente muito alto, um valor muito distante assim do resto dos lugares, e aí fica difícil, pois você não pode levar nem comida e nem água de fora e, toda a alimentação são muito caras, e aí acaba se tornando inacessível para algumas pessoas permanecerem no evento.”

Cris Miranda, professora de português e artes do Colégio Estadual Professora Heleusa Figueira Câmara, comenta que são eventos de qualidade e mais acessíveis nos dias de hoje, porém ainda por uma classe minoritária, pois são de alto custo tanto no que se refere ao valor das entradas quanto ao valor do que é consumido lá dentro. Ela também comenta que o governo investe pouco em cultura para o povo de baixa renda e que são omissos.

“Deveria investir mais e apoiar os comerciantes que participam deste evento, visto que atrai turistas e gera renda e emprego para nossa região. Poderiam incentivar e contribuir muito mais.”

Os próprios artistas também têm muito o que dizer. Bruno Garcez, vocalista da banda Dumblegore e baixista das bandas Valley of Bones, Mórficos e Cinzeiro, diz que não conseguem se apresentar com totalidade, pois não é da cultura do baiano ou até mesmo dos brasileiros.

“Os shows carecem de público e eventos independentes mal se pagam.”

Bruno fala que o acesso à cultura tem muito o que evoluir, ainda mais no Brasil, onde o trabalhador tem que escolher se come ou se gasta dinheiro consumindo cultura, que muitas das vezes, é inacessível para a maioria.

“Aqui em conquista, por exemplo. Temos equipamentos públicos que não podemos utilizar como a Praça da Juventude e o agora interditado, Carlos Jeovah. O centro de cultura é um equipamento caro e inacessível na maior parte das vezes.”

Silvestre Viana, vocalista da Cinzeiro e do Sr. Pokan e os Tangerinas, não ficou de fora. Ele diz que não existe esse “apresentar de forma independente” em eventos na cidade de Vitória da Conquista e comenta que existem “panelas” em determinados grupos que criam estes eventos.

“Alguns eventos em Vitória da Conquista exigem uma burocracia por curadoria. Só que a gente sabe que é meramente uma falácia, pois eles (curadoria) já tem noção das pessoas que vão tocar no evento. Às vezes, é muito melhor dizer diretamente quem é que vai botar do que inventar uma curadoria que não funciona.”

Ele comenta que, pro cidadão, a cultura ainda é inacessível, dando o exemplo do Agosto de Rock, que o ingresso era uma porcentagem de um salário mínimo. Então, uma pessoa que tem um filho, por exemplo, tem que escolher se vai escutar rock ou se paga as contas, tornando-se inacessível para essas pessoas.

Gabi Bomfim, conhecida como Balaio, vocalista da banda Dona Iracema, afirma que para a bandas se apresentarem, principalmente no cenário independente onde ela tem que gerir as contas da banda que tem que ser levadas em consideração na hora de vender o show, é meramente burocrático, levando em questão a logística, valores e uma questão burocrática em contratos, pois o mercado da música mudou drasticamente e, bandas independentes tem que se desdobrar nas burocracias, correr atrás de fazer um CNPJ para poder circular para tocar em shows e dar contas dessas questões. Ela também comenta que a cultura tem muito que evoluir bastante.

“Eu não acho que o acesso à cultura nem seja acessível e nem seja o suficiente. Os artistas que trabalham deveriam ser muito bem pagos e a cultura deveria ser de acesso gratuito pro público e isso não é contraditório de forma alguma. A cultura é algo que faz o ser humano ser quem é, né? o nosso povo ser quem é. Quando a gente fala do nosso povo, a gente fala de um povo que é formado na cultura. A cultura não é algo que a gente usa pra descansar do trabalho, ela nos forma enquanto cidadãos e cidadãs. Algo que educa, algo que tá no desenvolvimento inclusive das crianças da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país. Então eu acho que o acesso à cultura deveria ser democrático e público, gratuito em várias localidades na cidade, que não deva ser localizada nos grandes centros, afastadas da periferia de forma alguma. O acesso à cultura deve ser mais expandido.”

Balaio, também afirma que, independente do tamanho da cidade, no interior da Bahia, tiveram grandes bandas com nomes incríveis que são independentes, como por exemplo Cama de Jornal, Social Freak, Outra Conduta, Signista e etc. Então sim, tem como bandas independentes se apresentarem em cidades como Conquista, que já tiveram bandas que circulam nessas regiões como Poções e Jequié.

“São essas bandas que constroem a cena local, e eu coloco também nesse processo a minha banda. A Dona Iracema está de igual pra igual nesta minha fala com a Signista, a Cama de Jornal e outras bandas que compõem a cena. Essas bandas são importantíssimas pra mostrar que quem movimenta a cultura de verdade somos nós, são as pessoas, não são os grandes empresários e coisas do tipo. O que movimenta a cultura é o povo e o underground. As bandas que se apresentam ali de forma independente nas suas cidades. E digo mais, eu acredito que uma banda totalmente independente do interior da Bahia pode voar outros ares, pode se expandir, pode crescer e acessar outros públicos. Acredito muito no nosso povo, nosso povo é muito talentoso, nosso povo é muito diferenciado em relação a arte, olha só quantos nomes que levamos pra história da arte brasileira que saíram daqui da nossa terrinha. A mesma coisa são com as bandas de rock. Conquista é incrível, o interior da Bahia é incrível pra rock.”




* Noah é estudante do 3º ano do Ensino Médio.

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