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A NOITE DA VERGONHA – Misoginia e recusa sistemática de transparência no Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista

Em prol da luta pela democratização e difusão das informações e do acesso à cultura para todas as pessoas, a Biblioteca Comunitária Donaraça, através de sua coordenação, tem feito um grande esforço para acompanhar e ocupar os espaços mais variados de discussão e deliberação das políticas públicas, dentre eles, o Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista – Ba (CMC). É sobre esse acompanhamento como observadora espontânea que segue o relato, reflexões e proposições sobre os fatos ocorridos em 06 de maio de 2024 na plenária do CMC.

Registro da Noite da Vergonha

O que acabou de ocorrer hoje à noite na sessão plenária do CMC de Vitória da Conquista foi muito triste e nos trouxe profunda vergonha, reflexão e perplexidade. Aliás, tanto em relação à gestão atual como da anterior, é muito frustrante acompanhar um conselho que ainda não conseguiu cumprir seu papel de ser uma instância que contribua efetivamente para a implementação de políticas públicas da cultura na cidade. Essa situação parece cômoda, desejada e orquestrada por quem acredita que os foros de participação democrática sejam irrelevantes ou possam ser manipulados impunemente.

No início da reunião ordinária do dia 6 de maio do corrente ano, através da leitura da ata e de um depoimento, todas as pessoas presentes na sala tomaram conhecimento como se deu a votação de abril que deliberou pela negação da demanda da sociedade civil de se realizar reuniões ordinárias do Conselho de forma online e/ou híbridas. A realização de reuniões nessas modalidades é prática largamente utilizada em várias partes do país e do mundo, pelos mais diversos setores e segmentos públicos e privados. Se fosse aprovada, tal medida representaria um avanço, a possibilidade da participação e engajamento de forma mais democrática de pessoas que não conseguem se deslocar até o lugar físico das reuniões, por inúmeros motivos. Negar essa possibilidade de inclusão é validar e apoiar o esvaziamento do Conselho, além de impedir a ampliação de suas discussões e decisões, embotando o princípio da transparência, valor caro à democracia.

O nosso testemunho que ora sublinha a sensação de vergonha e indignação por ter presenciado, num Conselho de Cultura, os fatos aqui relatados, procura relacionar algumas questões graves com o intuito de que as pessoas em geral possam se inteirar dos acontecimentos e ser provocadas a buscar mais informações, a fim de ampliar o debate e as possibilidades de enfrentamento.

Dentre as inúmeras questões que poderiam ser citadas, destacamos inicialmente o que foi pontuado acima, a negação das reuniões online, proposta rejeitada pelos representantes da Secretaria da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer – SECTEL e pelo atual presidente do Conselho. Este último parece não assumir que está numa função estratégica como representante da sociedade civil. Entre outros argumentos registrados em ata, tomamos conhecimento de que em pleno 2024 (pasmem!), na decisão do Conselho prevaleceu o entendimento de que seria “muito difícil” produzir e gravar reuniões online, assim como a validação das votações. Definitivamente parece que Vitória da Conquista, a terceira maior cidade da Bahia não pode entrar na era da Internet, ao menos não naquilo que esta pode trazer de melhor, aproximar as pessoas e facilitar a livre circulação das informações. Os defensores de tal interpretação alegaram que o contato presencial seria “imprescindível”. Sobre esse último ponto, lembramos aqui que, paradoxalmente, apesar de terem sido eleitos em setembro de 2023, somente em abril de 2024 houve quórum mínimo de conselheiros para se aprovar alguma coisa, e mais, várias pessoas comentaram que, no dia 08 de abril, conselheiros que sequer acompanhavam as reuniões marcaram presença (em reunião extraordinária!), justamente para votar com a SECTEL. Nessa conjuntura a presença física parece ser um problema relativo. Por que tantos conselheiros não puderam comparecer nos outros dias? Que interesses eles representam? O absenteísmo dos conselheiros tem sido constante e demonstra a dificuldade de locomoção e/ou o descompromisso com tão importante função? Há que se avaliar com critério essa questão para enfrentá-la de forma ética.

Nos perguntamos, qual a função dos representantes do poder Executivo dentro de uma instância que, em tese, também fiscaliza o poder Executivo? Seus representantes abarcam 30% dos conselheiros. Se somarmos mais uma cadeira do Legislativo, na condição de “situação”, ou seja, “apoiador” do Executivo, é fácil constatar que o equilíbrio de forças parece bem desigual, totalizando a possibilidade de 40% das cadeiras, presença que, diga-se de passagem, majoritariamente masculina. Por si só, esse fato de representatividade, tanto de segmentos como de gênero, parece ser uma contradição da função essencial dos conselhos em uma sociedade tão plural como é a nossa. Além disso, as 5 cadeiras da Sociedade Civil, dividida em eixos temáticos muito genéricos e abrangentes, não dão conta de representar a rede complexa e diversa das linguagens culturais. Há muito que os fazedores de cultura solicitam reformas no regimento para resolver essa e outras questões. Reformas que avancem, modernizem e não engessam ainda mais o Conselho.

É muito preocupante que o Conselho de Cultura gravite em torno da SECTEL, e mais, ao invés de acompanhar e fiscalizar o poder público, lhe serve de forma aparentemente impotente. Esse fenômeno parece saltar aos olhos de quem acompanha as plenárias, chegando ao cúmulo de muitas pessoas, que vão pela primeira vez às reuniões como observadoras, deduzir, de forma equivocada, que o servidor público da SECTEL seja o presidente do Conselho, mesmo que não se assente na mesa diretora. Uma inversão da função do Conselho de Cultura e de qualquer conselho digno desse nome, que seria deliberar, acompanhar e fiscalizar o poder e as políticas públicas, ser um olhar de fora, que pode agregar valor por não estar comprometido com aqueles que executam os orçamentos e o planejamento estratégico do município. Será que essa prática está presente nos outros conselhos de Conquista? Caberia uma reflexão geral sobre os papéis dos conselhos na cidade, e talvez a instalação de ouvidorias próprias e reorganização do desenho das cadeiras que representam cada segmento ou eixo temático. A nosso ver essa é a questão central a ser resolvida, o caráter e a composição do conselho, todos os outros esforços para avançar sofrem com a atual configuração. No entanto, parece que ainda não temos clareza desse ponto, ou o que é mais dramático, a atual configuração seria um obstáculo para aprovação de uma alteração tão radical e necessária, diríamos, vital. Futuras articulações da sociedade civil devem enfrentar esse dilema o quanto antes.

Em segundo lugar, no entanto, o mais grave e vexatório, aquele que nos motiva a escrever este texto, estão os fatos que se somam às denúncias da conselheira secretária e a sequência do que se seguiu ao seu pedido de desligamento do Conselho, alegando não conseguir mais conviver e atuar diante de inúmeros e constantes casos de misoginia e violência de gênero, que alegou ter sofrido e testemunhado em diversas ocasiões. Muitos de nós, que acompanhamos as plenárias, presenciamos inúmeras vezes a prática do interrompimento, sobretudo de mulheres, entre outras tantas atitudes, muitas vezes veladas e com verniz de polidez, que criam um clima extremamente tenso e não acolhedor em todas as reuniões do Conselho. Sem falar nas constantes menções implícitas e explícitas, de que a sociedade civil não deva se manifestar diretamente.

É difícil escrever sobre o assombro de ter testemunhado o que ocorreu na noite de 06 de maio, a noite da vergonha e a noite em que uma mulher da cultura ousou dizer: BASTA de MISOGINIA! Se isso, por si só, não fosse grave, o que potencializou a nossa dor e indignação foi o fato de que nenhum conselheiro presente tenha feito nenhuma fala em defesa da permanência da conselheira, como se a presença de uma mulher fosse descartável e indesejável, ratificando assim, ainda que simbolicamente, o silenciamento desta. Apesar do pedido de vista do conselheiro, representante da SECTEL, a ata poderia ter sido posta em discussão e não o foi, muito menos se cogitou a votação pela aprovação ou não do documento. O que se ouviu nos corredores nos deixou a sensação de que os demais conselheiros parecem estar constantemente acuados e desarticulados para enfrentar as manobras da SECTEL. A não discussão da ata, talvez seja o maior indício da recusa ao debate público e transparente. Seria a prova da veracidade do alegado pela conselheira?

Em que pese o compreensível choque e a surpresa inicial com a decisão da conselheira, esperava-se que alguma postura firme fosse tomada, no intuito de proteger a mesma, para além da frase “fomos pegos de surpresa” proferida pelo presidente. Com exceção de uma menção do vice-presidente sobre a decisão da secretária, a reunião seguiu normalmente. Sim, esse é o “normal”. Ignorar o contexto e fazer de conta que a pauta é seguida. Esse “normal” incluiu a tentativa de um dos conselheiros citados no relato da conselheira querer ocupar imediatamente a função que ela acabara de abdicar, devido às inúmeras violências de gênero que sofreu e denunciou. O conselheiro justificou sua “oferta” dizendo que o arranjo seria emergencial, até que uma possível votação fosse feita no futuro. Lembrou que tal ocupação ocorreu na antiga gestão “por falta de interesse da sociedade civil em ocupar a função”.

Não estamos aqui negando a necessidade de se dar sequência aos assuntos da pauta e a operacionalização das reuniões, e nem a competência das pessoas, e sim afirmando o necessário cuidado de se evitar o atropelamento e esvaziamento das pautas e a perda de sentido de se estar “reunido em Conselho”, que é deliberar, recomendar, tomar decisões ajuizadas e consensuais em prol do bem comum do, não se esquecendo jamais, que os conselhos devem dar voz e protagonismo à sociedade civil. Talvez a opção pela inação seja a opção mais característica das últimas gestões, o que é lamentável e pode explicar o quanto é estratégico se negar e/ou dificultar as transmissões em tempo real das plenárias..

Ignorar uma denúncia é condenar sumariamente a vítima. Após a saída da conselheira secretária, a manobra de ocupar imediatamente a secretaria, só não foi possível porque uma conselheira sinalizou que a vacância deveria ser resolvida a partir da manifestação do interesse dos outros conselheiros da sociedade civil e de votação em momento oportuno, uma vez que a secretária ainda não entregara a renúncia por escrito e poderia até mesmo reconsiderar. A partir daí, algumas vozes mencionaram o fato da necessidade da formalização do ato ou mesmo a possibilidade de reavaliação por parte da conselheira que abdicara. Mas, isso só se deu somente depois que as mulheres presentes na sala manifestaram ostensivamente seu constrangimento e preocupação com a inação, cobrando a apuração dos fatos. Ainda assim, apesar de algumas falas débeis serem murmuradas pelos homens presentes que possuíam o “direito a voz e voto”, nenhuma medida concreta foi proposta oficialmente e aprovada pelos conselheiros em relação ao apresentado pela conselheira, ainda que fosse a nível de encaminhamento devido ao inadmissível dos fatos expostos. Violência de gênero, misoginia e interrupção de falas pareceu não serem assuntos suficientemente urgentes e graves para o presidente, a quem caberia a mediação do conflito. Aqui cabe uma pergunta: o atual presidente do conselho é capaz e está comprometido em encarar de frente os principais problemas que dizem respeito à sua função?

Como já foi dito, este contexto de negação e violação de direitos se alimenta da deliberada e sistemática recusa da publicização das informações relacionadas ao Conselho e à necessária melhoria da comunicação da SECTEL com a sociedade civil.. É perceptível que desde muito tempo não se disponibiliza as atas das reuniões do Conselho em sites ou drivers oficiais, para que a sociedade civil possa se inteirar dos fatos e tirar suas próprias conclusões. Nem sequer existe um site autônomo do Conselho. O site oficial da prefeitura também não fornece informações completas sobre as questões da “cultura, esporte e lazer”. Esse vácuo de informações preocupa, ainda mais agora, que o inoperante perfil do Conselho no Instagram parece não estar funcionando, justamente no momento das consultas para formulação das políticas públicas relacionadas à PNAB. Em momento de pré-eleitoral as oitivas públicas carecem de acompanhamento ético e qualificado. Assim como, as escutas e a circulação de informações não podem ser feitas somente em função de editais e leis de fomento.

É muito constrangedor constatar que a terceira cidade mais populosa da Bahia não consiga adotar práticas mínimas de compartilhamento de informações e que o Conselho de Cultura não tenha nenhuma estrutura para funcionamento autônomo da SECTEL. Fato amplamente denunciado pela sociedade civil em vários espaços, através da entrega de documentos construídos coletivamente e de falas contundentes na Conferência Municipal de Cultura por diferentes agentes culturais.

É importante que se diga que o CMC não é um órgão da Secretaria de Cultura, e sim que é um órgão integrante do Sistema Municipal de Cultura e que só desempenhará suas funções constitucionais, se e somente se, finalmente, tiver de fato liberdade, autonomia, vontade política e recursos para, inclusive, decidir sobre como disponibilizará seus documentos. Somente o “como” é opcional. Destaco aqui a palavra “como”, pois a disponibilização de documentos públicos, como atas e gravação de reuniões (não resguardadas pelo sigilo em questões extremas de segurança) são instrumentos que devem e podem ser compartilhados, como prevê a Lei de Acesso à Informação (Lei N. 12.527/2011). Com pesar, constatamos também que a cidade fica refém das publicações da SECTEL, até a última gestão, a Secretaria de Cultura era a verdadeira “guardiã” dos documentos citados e outros mais, como as atas, que até agora não foram compartilhadas para acesso público de qualquer cidadão.

A encruzilhada circular em que nos colocamos passa pelo entendimento de que o aperfeiçoamento das instituições públicas oficiais da cultura passam necessariamente pelo Conselho e pela elaboração e efetivação do Plano Municipal de Cultura, que por sua vez também passa pelo Conselho de Cultura, que não consegue funcionar efetivamente, pelas questões citadas anteriormente, além de outros motivos mais complexos e estruturais. Como sairemos dessa encruzilhada? Que tipo de caminhos seremos capazes de construir e inventar coletivamente? Para onde queremos avançar?

Para instrumentalizar ainda mais o debate, citamos ainda mais alguns elementos que merecem nossa atenção dentro desse contexto: até o dia de hoje, não existe um relatório público do mapeamento dos fazedores de cultura e muito menos a formação de grupos permanentes por segmento para ouvir as demandas de cada eixo temático, não há instrumentos e canais formais para isso, além de um e-mail genérico que não une e nem articula os fazedores de cultura da cidade, além das falas esporádicas de que “é preciso constituir esses grupos”. Sem dados é impossível criar estratégias consistentes de enfrentamento das demandas da cultura e descentralizar recursos, assim como possibilitar a participação de amplos setores da sociedade, que sequer sabemos da existência, por não haver dados públicos produzidos pela SECTEL. A curto e médio prazo ficamos reféns das políticas de governo, ao sabor dos interesses ideológicos e partidários de ocasião, e não alcançamos uma política permanente de Estado, como seria definida no Plano Municipal de Cultura, se tivéssemos um. Nesse sentido, mais um apelo dos fazedores de cultura evaporou-se sem respostas satisfatórias nessa noite, a pergunta sobre o cronograma de pagamento da Lei Paulo Gustavo. Essa questão já foi apresentada até na Câmara Municipal e mais uma vez pontuada na noite da vergonha por mais de uma pessoa presente na plenária (A LPG é uma lei emergencial, por isso carece de celeridade em sua aplicação). A SECTEL informou apenas que “a qualquer momento os recursos deverão sair, que depende de outras secretarias”. Parece não haver um trabalho articulado e célere entre as pastas. Esperamos que essas dificuldades burocráticas sejam resolvidas na aplicação da PNAB. E que se avance para além das intenções. Outra prova da falta de prioridade das questões da Cultura, para além da realização de eventos pontuais, é o fato de que a Conferência Municipal de Cultura, sete meses depois de sua realização, ainda não publicou o relatório e nem deu nenhuma devolutiva à sociedade, tal ação seria uma responsabilidade da SECTEL (prevaricação?), enquanto a Conferência Nacional, organizada pelo MinC, que ocorreu em março do corrente ano, já iniciou suas devolutivas e disponibilizou documentos, deliberações e encaminhamentos em vários meios digitais. Entre nós, nem ao menos, houve respostas e encaminhamentos aos documentos apresentados publicamente à SECTEL e ao próprio Conselho em setembro/23. O que nos leva a pensar, que a Sociedade Civil também está sendo silenciada, assim como a voz das mulheres no conselho, misoginia, sexismo e falta de transparência. O que faremos com esses conceitos?. Entendemos que não ouvir e não levar em conta o que se diz é tão perverso quanto não deixar falar. Esse fenômeno redunda no esvaziamento do sentido das instâncias de participação política popular, uma vez que, até se permite que existam, mas são constantemente sabotadas, esvaziadas e inviabilizadas. Práticas da antessala do fascismo declarado.

Ouvimos as razões da conselheira e nos solidarizamos com ela. Se pudéssemos gostaríamos de lhe fazer um apelo, mas sabemos que não temos esse direito, o de que ela não abdicasse da cadeira do Conselho, uma vez que foi eleita democraticamente dentro de uma Conferência Municipal, para a qual, importantes setores da sociedade civil lutaram corajosamente, a fim de mobilizar as pessoas para a participação na eleição e nos debates que ocorreram em setembro, em detrimento da falta de informação que imperou naqueles dias e continua a prevalecer. Esse apelo estaria baseado, entre outras coisas, na consciência da importância representativa da conselheira e de sua atuação como agente social, ratificada em vários momentos por seus pares, quando a escolheram como delegada da Conferência Territorial do Sudoeste Baiano, da Conferência Estadual e, finalmente, também quando atuou honrosamente como delegada da Bahia na Conferência Nacional da Cultura, evento em que o audiovisual dos interiores teve papel relevante e de destaque.

Nosso desejo seria de que a conselheira pudesse voltar a ocupar a função de secretária, compondo a mesa diretora. Na impossibilidade, que ela pudesse continuar na função de conselheira, ainda que como suplente. No entanto, seja qual for a decisão dela sobre essa questão, manifestamos nossa solidariedade e apoio.

A resistência e enfrentamento das mulheres em funções públicas é a resistência de todas as mulheres, pessoas e instituições que militam pelos direitos culturais e pela equidade de gênero, que repetem a fala emblemática de Marielle Franco: “Eu não serei interrompida!”. Não ignoramos, no entanto, que recuar também é trazer outros companheiros e companheiras para andar juntos e juntas.

É importante que se registre que o desconforto da secretária não é apenas dela, ou uma questão de gênero, também é, mas não somente, uma vez que, em muitas ocasiões em que ocorreram as reuniões do Conselho, é possível sentir uma atmosfera pesada e não acolhedora. Homens e mulheres relatam esse desconforto e a experiência de também serem interrompidos e menosprezados, num jogo desigual de forças. Essa percepção também leva em conta os não ditos, os gestos, a postura do corpo, e mais recentemente, os fatos registrados de forma explícita na ata e em sua leitura e não discussão. Foi a esse estado de coisas que a conselheira denunciou, e não apenas a sua questão individual. Que não se perca de vista essa pontuação na análise dos acontecimentos da noite da vergonha. Sob pena de reduzirmos a gravidade do complexo contexto em que estamos paralisados e em eterna repetição.

Saindo do campo do desejo, temos plena consciência de que a presença segura e qualificada de mulheres (cis ou trans) em todos os espaços sociais, especialmente em posição de poder, só se efetivará quando formos capazes de sair da indignação teórica e de gênero e entender que o cerceamento da liberdade de uma mulher, é o cerceamento de todos e todas nós. Não é possível haver liberdade e pleno gozo dos direitos humanos fundamentais sem liberdade, respeito e informação.

Diante do exposto solicitamos, como membros da sociedade civil organizada, que a mesa diretora do Conselho Municipal de Cultura: 
  • apure e tome as medidas cabíveis, garantindo o direito de defesa e a apuração ética, transparente e consequente dos fatos;
  • caso sejam comprovadas as denúncias, que as pessoas envolvidas no delito sejam afastadas do Conselho;
  • encaminhe imediatamente relatório das denúncias aos órgãos competentes;
  • emita nota oficial do Conselho informando da apuração dos fatos e seus desdobramentos;
  • acione o Município para oferecer assistência à saúde mental da conselheira;
  • adote medidas urgentes para inibir práticas de violência de gênero dentro do Conselho;
  • adote medidas urgentes para tornar o Conselho de Cultura um lugar seguro e de acolhimento para a sociedade civil, garantindo-lhe a possibilidade de fala, escuta e devolutivas;
  • promova debates e regulamentação que prevejam equidade de gênero nas cadeiras dos três segmentos do Conselho (sociedade civil, representantes do legislativo e do executivo);
  • que nas discussões do novo regimento interno do Conselho se coloque em pauta o caráter e a função do Conselho, aumentando as cadeiras da sociedade civil, e idealmente, suprimindo a liderança do poder público, que hoje detém 50% das cadeiras (3 do Executivo e 2 do Legislativo);
  • coloquem em pauta, em caráter de urgência urgentíssima, a transmissão online e ao vivo das reuniões do Conselho, como um dos instrumentos para a democratização do acesso à informação e como uma das estratégias para coibir a violência de gênero e quaisquer outras práticas de exclusão;
  • crie grupos permanentes para articulação com os artistas e fazedores de cultura de cada linguagem artística, não se limitando às escutas da PNAB;
  • implemente medidas concretas para efetivar a autonomia do Conselho em relação à comunicação e a circulação de informações, abandonando a dependência da SECTEL;
  • apresente à SECTEL a demanda da sociedade civil pela melhoria dos canais de comunicação da secretaria para aperfeiçoar a interação e engajamento da sociedade de uma forma geral em torno dos direitos culturais e às manifestações artístico-culturais no município, exigindo um cronograma com metas claras para alcançar essa política de transparência;
  • solicite da SECTEL um cronograma de acompanhamento da aplicação/pagamento dos recursos da LPG e dos encaminhamentos da PNAB.
  • solicite da SECTEL a publicação do relatório e das devolutivas da Conferência de Cultura, estabelecendo um prazo que não ultrapasse o mês de maio.

É fundamental destacar que a Secretaria de Cultura tem papel dos mais relevantes na aplicação e desenho das políticas públicas no município e deve atuar dentro de suas prerrogativas, somando esforços com as outras instâncias do Sistema Municipal de Cultura, no entanto, ela precisa adotar práticas que contribuam para a promoção da autonomia e sustentabilidade dos outros órgãos do Sistema interdependentes do setor, favorecer e estimular a participação da sociedade civil, modernizar e democratizar seus canais de comunicação e interação, garantindo a equidade de oportunidades na aplicação dos recursos e nos processos decisórios. Entendemos também o papel estratégico do Conselho de Cultura e a organização da sociedade civil como produtora de discurso, desejos e possibilidades, expressão das demandas e interesses da sociedade civil, por isso, apostamos no diálogo e na necessidade de consensos possíveis dentro do que prevê a Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Que as reflexões e provocação desse extenso texto chamem a atenção para a complexidade do momento, e de que precisamos unir forças em torno da produção, fruição e reflexão da e para a cultura. Que os negacionismos e os fascismos não imperem em nosso meio. E que nenhum de nós consiga dormir tranquilamente sendo cúmplice da impunidade. Evoé!

Vitória da Conquista, 06 de maio de 2024, 23h57.

Biblioteca Comunitária Donaraça / Instituto Relicário

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Publicado originalmente em 11/05/2024, em Foro Literário Sertão da Ressaca.

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Nota do Editor: o texto acima foi publicado neste site para fins de preservação histórica das movimentações artísticas, especificamente musicais, existentes em nossa região (Fase 2 do Projeto), não representando, em qualquer nível, a opinião/posicionamento do Memória Musical do Sudoeste da Bahia. O espaço, reiteramos, é disponibilizado a todos, desde que guardando relação com o nosso objeto de pesquisa - a musicalidade da região sudoeste da Bahia.

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