Pôster promocional de 1971
Os que se interessam por música o suficiente para não tê-la como mero pano de fundo em suas vidas devem ter notado que há dois dias* vários sites e blogs pelo mundo colocaram em evidência o álbum sem título do Led-Zeppelin, chamado por alguns simplesmente de "4" ou o "álbum dos quatro símbolos". Comemoramos no último dia 8 os quarenta anos de lançamento desta pérola do rock, que serviu para mostrar ao mundo o quão grande era (e ainda viria a ser) esta incrível banda inglesa.
Bom, não serei mais um a contar a história do grupo ou do próprio disco. Para isso existem milhares de sites e livros (incluindo a super biografia Led Zeppelin: Quando os Gigantes Caminhavam sobre a Terra, que já tratei de falar aqui), quase todos muito bem-escritos. Aqui vou falar um pouco sobre a minha própria experiência com o disco e como nunca mais fui o mesmo depois de entrar em contato com ele.
Antes de mais nada, é bom lembrar que nasci em 1983, portanto, nunca tive a felicidade de ir a uma loja de discos esperar ansiosamente por um novo álbum de uma de minhas bandas favoritas. Quando vim ao mundo, para muita gente o rock já havia morrido. Mas esta história começa muito tempo depois, quando eu tinha uns quatorze ou quinze anos, quando nem sonhava em CDs (apesar de já existirem há um bom tempo, no exterior), telefones celulares e muito menos internet. Quando se queria saber algo sobre uma banda, a única alternativa, aqui em Vitória da Conquista-BA, era fuçar as bancas de revistas e conversar com os amigos que, em sua maioria, não saíam do lugar-comum baiano chamado "axé music" ou o então na moda "forró eletrônico" de Frank Aguiar. Argh! Não conseguia aderir àquilo e me sentia um alien solitário entre os outros adolescentes, musicalmente falando.
Por sorte, minha mãe e meu tio sempre ouviram coisas legais e pude acompanhar todo o cenário musical dos anos 80. Além disso, eu escutava MUITO rádio e tinha, na 96 FM, minha emissora favorita, um porto seguro. A esta altura, já começava a criar asas, comprando, nos camelôs do centro da cidade, fitas cassetes piratas de Raul Seixas e gravando as minhas próprias compilações. Certa vez, meu tio me deu quase todas as suas antigas fitas. Estávamos naquele período em que o CD ameaçou explodir no Brasil e nem se sonhava em CD-Rs. Ou se comprava original, ou se continuava nas fitas e nos LPs. Dentre essas fitas havia uma bem interessante: uma coletânea, gravada de discos de vinil, sendo que não havia intervalos entre as músicas. Antes de uma acabar, já começava a outra. Para mim isso era fantástico! O cara que gravou tinha duas vitrolas! Algo surreal para um garoto que já sabia mexer em todas as funções dos toca-fitas, rebobinava com caneta Bic e sabia resolver o velho problema das fitas emboladas no deck com maestria.
A minha querida Grey K-7
O lado A já começava com uma música intrigante: começava com um violão, seguido de uma sombria flauta. Depois vinha uma voz ainda mais sombria, como vinda do além. A música ia crescendo. Entrava uma bateria, uma guitarra um tanto tímida até explodir em algo que eu não entendia direito, mas gostava. Parecia familiar. Muito provavelmente essa fita era tocada quando eu era bem pequeno. Quando a música acalmava, no que parecia ser o final, entrava, para acompanhar a solitária voz, outro violão, diferente, mas parecido. Aquilo tudo somado ao chiado do vinil-fonte, criando um clima cujo CD nenhum seria capaz de reproduzir. Era muito sinistro e ao mesmo tempo hipnotizante.
Essa segunda música era parecida com a primeira: começava calma, explodia com guitarras, bateria e muito peso, para depois se acalmar, como o sol que aparece depois de uma noite tempestuosa e violenta. Depois dessa faixa viria outra, mais parecida com a segunda que com a primeira. Eu não entendia mais nada. A fita não tinha nada além de um "reprodução" escrito no lado A. Era cheia de músicas boas e eu não sabia o nome de nenhuma. Nem sabia se essas três primeiras eram da mesma banda. Achava que seguiam um certo padrão e que poderiam sim ser de um só grupo.
Passado algum tempo descobri o nome da primeira: Stairway to Heaven. A melhor de todas, a minha preferida na época. As outras ainda não sabia, pois não tínhamos Google e meus amigos se interessavam mais por futebol do que por qualquer outra coisa. Depois descobri mais um pouco: a segunda era dos Scorpions, banda que depois descobri ser alemã e não tinha nada a ver com o Led Zeppelin. Aliás, por um bom tempo achei que Stairway to Heaven fosse dos Scorpions, porque, sabe-se lá o motivo, acreditei numa bobagem que me falaram. O fato é: eu conhecia muitas músicas, por causa do rádio e do que minha mãe e meu tio escutavam em casa, mas não sabia o nome de quase nenhuma, muito menos os nomes das bandas. Inglês para mim era como aramaico primitivo.
O tempo passou e os CDs ficaram populares. Os primeiros piratas começaram a aparecer, mas eu não fazia ideia de como piratear um. Ainda não se vendia por aí gravadores como frutas na feira. Havia uma loja, onde eu sempre entrava para ver os CDs. O Spaço Xis, antigo Magazine Araci, onde trabalhava um ilustre (mas desconhecido para mim) Miguel Côrtes, que muito provavelmente foi quem me atendeu. Era um mundo mágico, onde tudo parecia caro demais para mim. Eu só podia olhar mesmo. Enquanto isso, nas grande cidades, imagino que já era a coisa mais banal do mundo. Eu já sabia a diferença entre Led Zeppelin e Scorpions. Como minhas referências vieram da Grey K-7, para mim eram bandas muito parecidas. Stairway to Heaven era a única música do Led que eu conhecia conscientemente. Scorpions era mais acessível: passava até nas rádios. Ah, eu já sabia que a faixa 3 se chamava Still Loving You. Parecia um pouco com a segunda, uma tal de Holiday.
Achei dois CDs que viraram meu sonho de consumo por meses: um era do Led Zeppelin. Era duplo. Se chamava Remasters. Olhei a setlist e, para minha felicidade, lá estava Staiway to Heaven, a música mais espetacular que já ouvira. R$40,00, uma fortuna! O outro CD estava ao lado. Era dos Scorpions. também duplo. O título era Deadly Sting: The Mercury Years. Olhei a setlist e lá estava, na faixa 3 do disco 1, Holiday, a música mais parecida com a música mais espetacular que já ouvi! E eu era só um moleque que nunca ganhou mesada. Esse também custava R$40,00. Um sonho impossível.
Sonhos de consumo de um adolescente
Para encurtar a história, passei meses sonhando e indo até a loja. Os CDs eram plastificados, então eu não podia ver os encartes, como eram as mídias e nada mais que a capa e a contracapa. Uma tortura. O tempo passou e o natal chegou. Meus pais me perguntaram o que eu gostaria de ganhar de presente. Numa explosão de felicidade os levei até a loja (e daqui vem a minha lembrança de ver minha mãe e meu pai conversando com Miguel, como se já se conhecessem antes) e mostrei os discos, na esperança de ganhar ao menos um. Decidiram cada um me dar um, me deixando em felicidade plena. Só que só me entregariam na noite de natal. Torturas de pais. Muitas vezes pensei que eu poderia cometer um erro fazendo isso, afinal eu só conhecia uma música do Led e pouco mais dos Scorpions. Isso conscientemente. Se realmente fosse um erro, seria um gigantesco desperdício de oportunidade, afinal, como já disse, eu estava gastando um "crédito" de R$80,00 com meus pais, o que, para mim, era uma verdadeira fortuna. Lembro de pensar: "Bom, uma banda que cria uma música como essa não tem como ser ruim". Me referia aos ingleses. Apostei no meu instinto. Felizmente, eu estava certo.
Com os discos em minhas mãos pude finalmente conferir o conteúdo. Que caras medonhos! Eu já estava habituado aos padrões visuais (e sonoros) do Guns n' Roses e me pareceu um monte de velhos com bigodes horríveis. Mas o importante era o som. O Scorpions tinha várias músicas conhecidas e que ainda tocavam na rádio. Foi mais fácil me adaptar. Eram muitas músicas. Teria muito tempo para ouví-las incessantemente, como já fazia. Eram outros tempos, onde não existia a possibilidade de ter milhares de músicas instantaneamente, nos induzindo a não ouvir nenhuma com a devida atenção. Ainda degustava-se um disco lentamente. O CD do Led era mais impactante. Eram timbres que remetiam ao antigo. Por vezes achei as músicas leves demais. Nem imaginava que o Guns n' Roses apenas usava os recursos e efeitos que esses caras criaram do nada.
Reconheci algumas músicas, mas não tantas quanto as do Scorpions. Algumas vezes achei trechos meio clichês, sem imaginar que só o eram porque os caras foram copiados de todas as formas possíveis e eu reconhecia os trechos através de outros artistas. Mais ou menos a sensação que tive ao mergulhar nos Beatles pela primeira vez, tempos depois. Lá estava, ao fim do disco 1, Stairway to Heaven! Sem chiados, limpíssima, no "falecido" micro system NSX-520 da Aiwa. O violão inicial parecia mais baixo. Que estranho! Nunca passaria por minha cabeça que o título Remasters fosse um trocadilho que explicava o porquê dessa diferença. Daí em diante o Led Zeppelin passou a ser a maior banda do universo para mim, e os Scorpions caíram em meu conceito, principalmente por fazerem tantas jogadas comerciais demais para um ouvinte atento. Suas baladas tiveram tantas versões diferentes que me convenci de que a banda já havia acabado e não tinham coragem de assumir. O Led não. Acabou por um motivo trágico. Os caras foram forçados a parar num momento de plenitude. Hoje, ao ler o livro já citado, vejo que não era bem assim. Mas ainda é mais digno.
O tempo passou e comecei a cantar, entrei em bandas onde me atrevia a interpretar o Led sem alterar os tons das músicas. Coisa de maluco. Decidi, com a vivência, nunca mais me maltratar assim. Conheci várias outras bandas, o blues, o jazz, o country, o tango... Tanta coisa maravilhosa de se ouvir e tocar. E agora, aos 40 anos daquela que ainda é, para mim, a música mais espetacular já criada por alguém, me veio toda essa história na mente. A última música do lado "A" desse disco. Um disco essencialmente místico e sombrio. Sua versão remasterizada perdeu um pouco dessa essência. A prova disso é que, em minha fita cassete, gravada do vinil eu sentia toda a áurea sobrenatural emanada por Jimmy Page em seu auge. Ao ler o livro e ouvir essa versão única vejo claramente essa conexão. Nem era preciso sequer saber o nome da música ou da banda. A mensagem era passada instantaneamente. Isso é a verdadeira razão de ser da música. Passar uma mensagem, um sentimento. O Led Zeppelin IV é uma obra tão sincera e expressiva que conquistou o mundo. Imagino quantas histórias como a minha existem por aí. Então, nesses 40 anos de mensagens, o mínimo que podemos oferecer ao grande quarteto fantástico é nossos sinceros parabéns e nosso mais que sincero "obrigado". Tive a sorte de passar por minha fase de descobertas musicais adolescentes com esses caras, mesmo com o ambiente praticamente me forçando a ir em outra direção. Rock n' roll, em primeiro lugar, é atitude e coragem de dizer "não".
Ouça abaixo as duas primeiras faixas da velha Grey K-7: Stairway to heaven (1971) e Holiday (1979).
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