O primeiro concerto aberto no CCCJL em 2018. Plácido Mendes (I. Malforea) 2018 |
Hoje foi um dia mais que especial para os conquistenses, incluindo a mim: foi o primeiro concerto aberto ao público no recém-reformado Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. Inaugurado na segunda metade dos anos 80, funcionou, aos trancos e barrancos, até 2013, quando teve sua sala principal interditada, sem nunca haver sofrido alguma reforma significativa. Consideravelmente desconfortável e antiquada, passou cinco anos praticamente inativa, já que não era possível qualquer atividade com plateia. Devo lembrar que, nesse período, este importantíssimo patrimônio foi esquecido, pelo Estado, pela comunidade e, inacreditavelmente, pelos próprios artistas locais. A equipe de funcionários foi reduzida, mas foram esses os grandes heróis que impediram a total degradação do nosso valioso CCCJL.
Digo com a emoção de quem viu bem de perto a triste realidade, cheia de promessas vazias de um momento como o de agora: passei quase dois anos produzindo arte na sala interditada (ao contrário do que muitíssimos pensavam, o CCCJL não estava totalmente inativo. Nunca esteve, por sinal). Foram inúmeros ensaios, videoclipe, séries de vídeos (não por acaso chamadas CCCJL Sessions, com nossas denúncias à situação de descaso e abandono), entrevistas, reuniões, sessões de foto e muitas boas ideias enquanto, vez por outra, escorregava nas bolinhas de cupim que caíam do teto. Nesse tempo pude entender o quanto devemos deixar de considerar o patrimônio público como "de ninguém", para assumi-lo como "nosso". Sinceramente, fiquei bastante surpreso quando soube que a reforma finalmente sairia. Fui pessimista por muito tempo.
Pois hoje fui conferir como estava meu amigo de infância, com o concerto da Orquestra Conquista Sinfônica, sob a batuta do maestro João Omar. A emoção começou logo na entrada: há quanto tempo eu não entrava numa fila ali? o grupo de pessoas logo à minha frente falava sobre o também icônico, mas finado, Cine Madrigal, e de sua quilométrica fila para Titanic. O baleiro de sempre estava lá e tudo isso me fez pensar em como o conquistense simplesmente se esqueceu do que é juntar a família ou os amigos e passar uma tarde num lugar fechado que não seja o barulhento shopping ou se reunir para um bom evento musical que não o "muvuquento" Festival de Inverno. Falo de um lugar criado para tal propósito, e não de improvisos em áreas destinadas a palestras. Perdemos nossas referências! Na terceira maior cidade do estado isso não pode acontecer. A cidade não é só dos baladeiros: a cultura é de todos, independente da idade, e é preciso ter opções reais.
Todo esse turbilhão de pensamentos só se reforçou à medida em que subia as escadas para a sala. Havia me habituado a entrar apenas pelos bastidores, e isso me fez voltar no tempo. Minha lembrança mais longínqua do Centro de Cultura é de uma peça da Turma da Mônica, em algum ponto dos anos 80, que fui com a escola. Lembrei de várias vezes em que passei por ali: Canta Bahia, Duetos da TV Sudoeste, MPBlues, Xangai, Belchior e até a manjadíssima A Bofetada, que parecia vir a Conquista todo fim de semana. Eu tinha o sonho de cantar naquele palco. E cantei, no Festival de Música da Bahia, em 2012. Nem imaginava que passaria tanto tempo nele, mas sempre olhando a arquibancada vazia e com cadeiras faltando.
Decidi me sentar no alto para contemplar ambas as atrações: a orquestra e o próprio local. Como conheço cada pedacinho da sala principal, reparei em tudo: as novas poltronas, o piso, o batente para o público de pé, a nova cortina, as novas caixas de som e, claro, o teto, de onde chovia "bolinhas de cupim" e sempre rendia algum lamento por aquilo. Com as novas poltronas notei o quão pequeno é nosso teatro. Como pode, em 2018, a grande Vitória da Conquista não ter uma sala de teatro realmente moderna e adequada? É sempre bom lembrar, e o maestro lembrou, que o CCCJL funcionando é uma vitória, mas ele não deve ser o ÚNICO "equipamento" da cidade: por onde anda a iniciativa privada? Por que não construir um centro de cultura privado por aqui? Não parei de pensar em coisas assim da chegada até a saída.
Desnecessário falar da altíssima qualidade da orquestra, que também passou bastante tempo ensaiando no próprio lugar em que se apresentou. O repertório também parece ter sido pensado de forma a reintroduzir o público conquistense a esse universo: passamos por Elomar, Geraldo Azevedo, Caetano Veloso, Roberto Carlos, e até mesmo o Ira!, finalizando com Luiz Gonzaga, em belíssimas versões sinfônicas. Antes, a fala do diretor do espaço e radialista/professor/músico Elton Becker, que anunciou tornar a orquestra residente no CCCJL, convidando-a, diante do público, a se apresentar ao menos uma vez por mês, no mesmo horário, nas tardes de domingo. Certamente estaremos lá, não?
Devemos voltar a olhar o CCCJL como um espaço onde sempre se sai alguém melhor do que quando entrou. Foi exatamente essa a sensação que tive, e lembrei de que era isso que eu sentia sempre: eu sempre saía de lá com mais vivência, conhecimento e "bagagem". Esse é o papel dos centros de cultura, onde quer que estejam. A cultura é a alma de um povo, e deve ser fomentada. Conquista reaprenderá, espero, a incorporar isso ao seu imaginário. Percebi que muitos nem sequer sabem como lidar com o ambiente da sala de teatro, com seus barulhentos celulares, converseiros paralelos e crianças sem noção de limites. Alguns nem sequer pensam em fechar a porta quando saem da sala, expondo todo o ruído externo. Isso é triste, pois reflete a falta que o Centro de Cultura fez até mesmo na educação doméstica. O conquistense não pode ser privado disso. Não mais.
Enxerguemos como "nosso", preservemos, frequentemos, e voltemos a amar o nosso Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. Ele nunca foi apenas "um prédio estranho e fechado em frente ao hipermercado". Ali está um elemento essencial à vida de qualquer grande (e não me refiro a tamanho) cidade. Quando passar em frente, entre! Procure saber o que está/estará em cartaz. Conheça todas as salas, descubra novas possibilidades. Depende de todos devolver vida ao espaço, que está longe de ser o ideal, mas também longe de ser pequeno (também não me refiro a tamanho) demais para nós.
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