Embora desprezado em sua cidade natal, Antônio Carlos Limongi mantém seu nome em registros sobre “Greta Garbo, Quem Diria Acabou no Irajá”, uma obra espetacular da literatura teatral brasileira.
Em 29 de junho de 1973, estreava no Rio de Janeiro a peça de Fernando Mello, “Greta Garbo, Quem Diria Acabou no Irajá”, produzida por Carlos Limongi, o conquistense conhecido como Pequeno Hippie, que também fez a sonoplastia da obra. Num dos períodos mais duros do regime militar, a chamada ‘Ditadura Escancarada’ no livro de Elio Gaspari, o espetáculo encena uma relação homoerótica entre um enfermeiro idoso que queria ter sido médico e um jovem desabrigado do interior. No elenco, Arlete Salles, Mario Gomes e Nestor de Montemar (substituído depois por Raul Cortez).
Na ocasião, utilizou-se a composição de narrativa visual com base em método conhecido como etnográfico, criado pelo físico, matemático e antropólogo polonês Bronislaw Malinowski (1884-1942). Utilizaram-se fotografias no cenário que contribuíam com a narrativa, e isto era tão revolucionário quanto “comunista” (embora, como hoje, não se soubesse muito bem o que era isso).
Em 1973, um simples nome, por parecer ser do Leste Europeu, era motivo de observação. O atrevimento custou caro. As coisas ficaram difíceis no Rio de Janeiro nos anos seguintes, quando Limongi fez alguns bicos com Gonzaguinha, Paulinho da Viola e outros, também perseguidos, ou, pelo menos, vigiados. Lá estava então o Pequeno Hippie, em Belo Horizonte, produzindo apresentações muitas vezes gratuitas de músicos então desconhecidos, como Rubinho do Vale, Paulinho Pedra Azul, Celso Adolfo e outros.
É curioso Limongi não citar em suas entrevistas o episódio da produção de Greta Garbo. Nem ao falar da experiência como produtor ou pensador sobre políticas de cultura, nem nas conversas reservadas. Descobri casualmente pesquisando sobre a primeira montagem, perguntei e ele confirmou. A peça não chegou a ser proibida, mas foi interrompida algumas vezes, e vigiada constantemente, inclusive os ensaios. Depois disso, nada de trabalho estável até o fim da ditadura.
Limongi sobreviveu para, 10 anos depois de Greta, já na redemocratização, em 1984, produzir o espetáculo e disco que dariam visibilidade a Elomar, Xangai, Vital Farias e Geraldo Azevedo. Uma produção revolucionária, levada a cabo após a década de dificuldades. Depois disso, resultado de uma longa história, não obstante o sucesso de Cantoria, voltou a produzir pequenos espetáculos. Foi como que tornando-se pequeno no meio, chegando ao ponto de desaparecer.
Em seus últimos anos, viveu parte deles em Vitória da Conquista, que não costuma reconhecer a importância de certas representações. Por último, seguiu para Salvador, onde foi acolhido por um albergue. Ele iria completar 73 anos no dia 11 de abril de 2024. Estava com Alzheimer, teve uma pneumonia e não suportou, morrendo em 30 de março.
Fui testemunha de algumas de suas tentativas de recuperar-se no trabalho, chegando a fazer contatos com velhos amigos. Embora desprezado em sua cidade natal, Antônio Carlos Limongi mantém seu nome na Enciclopédia Itaú Cultural e nos demais registros sobre esta obra espetacular da literatura teatral brasileira que é “Greta Garbo, Quem Diria Acabou no Irajá”.
*Afonso Silvestre é historiador e coordenou os processos de certificação quilombola de 2004 a 2012, em Vitória da Conquista, como coordenador de planejamento (2004-2006), secretário de governo (2006-2008) e técnico em projetos (2009-2011). Também foi responsável pelas atividades de certificação do quilombo urbano da Comunidade de Vó Dôla, em 2022, e pela modernização do Arquivo Público Municipal (2012-2016) e dos arquivos da COOPMAC.
Imagem de capa: Reprodução/TV UFBA.
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Publicado originalmente em 02/04/2024, em Conquista Repórter.
Publicado originalmente em 02/04/2024, em Conquista Repórter.
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